Mais vale prevenir...

Sim, os cuidados a nível da saúde mental têm sido negligenciados. Porque são feridas que não se vêem.

A sabedoria popular há muito que nos indica o caminho. Mas, em Portugal, o caminho da prevenção primária tem sido desvalorizado. Tendemos a agir e reagir, ao invés de prevenir. Independentemente da área para onde olhamos, é isto que percebemos. Seja a nível da criminalidade juvenil ou adulta, dos maus-tratos a crianças e jovens, da violência doméstica ou dos conflitos parentais em processos de separação ou divórcio, depressão, ansiedade ou dependências.

Sim, os cuidados a nível da saúde mental têm sido negligenciados. Porque são feridas que não se vêem. Dores, tantas vezes escondidas, que não são identificadas nem valorizadas.

Estamos a falar de perturbações com elevada prevalência e que geram um sofrimento muito significativo, no próprio e nas pessoas que lhe são mais próximas. Que influenciam de forma significativa o seu funcionamento, escolar, profissional, familiar e social. Que surgem associadas a absentismos, baixas médicas e doença física. E também a morte.

De acordo com dados de 2017, os problemas de saúde mental afectam mais de um terço da população europeia (164,7 milhões de pessoas). Por sua vez, em Portugal, os dados indicam que um em cada cinco portugueses sofre de um problema de saúde mental.

Mas confunde-se depressão com tristeza. "Vai passar com o tempo."

Na Europa, estima-se que 40,27 milhões de pessoas sofram de depressão. Em Portugal, estima-se que mais de meio milhão de pessoas sofre desta perturbação.

Confunde-se ansiedade com nervosismo. "Tens de te acalmar."

Na Europa, estima-se que 36,17 milhões de pessoas vivam com perturbações de ansiedade. Em Portugal, mais de meio milhão de pessoas sofre desta patologia.

Confundem-se perturbações de comportamento com má educação. "Umas palmadas resolvem o problema."

Estima-se que uma em cada cinco crianças ou adolescentes manifestem perturbações de comportamento. Segundo o relatório da ONU "Um Rosto Familiar: A violência nas vidas de crianças e adolescentes, Portugal é o 15.º país com mais relatos de bullying na Europa e na América do Norte. Entre 31% e 40% dos adolescentes portugueses com idades entre os 11 e os 15 anos disseram ter sido intimidados na escola pelo menos uma vez, em menos de dois meses.

Confundem-se dificuldades de aprendizagem com preguiça. Anorexia com mania da magreza. Ideação suicida com meras chamadas de atenção. Perturbação obsessivo-compulsiva com loucura. Etc., etc.

Neste contexto, é tempo de pensar de forma séria e rigorosa em estratégias preventivas. É necessário que não existam apenas em despachos e normativas, directrizes e planos de intervenção. Que sejam operacionalizadas e concretizadas, numa perspectiva de prevenção primária – medidas gerais de prevenção do risco – e universal – dirigidas a toda a população.

Os técnicos em geral, e os psicólogos em particular, sentem-se muitas vezes num papel de quase bombeiros, que intervêm para “apagar fogos”. Quer isto dizer que actuam na crise e após a crise, quando os problemas estão já identificados e instalados. Muitas situações são sinalizadas numa fase já muito tardia, onde resta apenas tentar minimizar as sequelas e as consequências negativas do problema.

Não podemos adoptar a nível da saúde e, particularmente, da saúde mental, uma perspectiva de cuidados paliativos, mas antes optar por um olhar centrado na minimização dos factores de risco, a par da promoção dos factores de protecção. Intervenções preventivas que, de uma forma específica para cada problemática, permitam evitar o seu aparecimento.

A criação de uma agenda nacional para a prevenção e desenvolvimento das pessoas revela-se, assim, imprescindível. Porque prevenir e promover competências significa maior coesão social e desenvolvimento económico. A saúde psicológica está associada a maior bem-estar, melhor auto-estima e desempenho nas várias áreas de funcionamento. O que se traduz, necessariamente, em comunidades mais saudáveis, organizações mais produtivas e maior desenvolvimento e coesão social. A par de menores custos económicos.

Mais vale prevenir do que remediar... diz-nos a sabedoria popular há muito tempo. Quando aprendemos?

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