Portugal condenado a indemnizar Paulo Pedroso em 68 mil euros

Uma indemnização de um euro "já seria suficiente", reagiu Paulo Pedroso ao seu advogado, a propósito da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Já Pedro Namora diz que juízes de Estrasburgo não tiveram em conta "a dor das vítimas".

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NUNO OLIVEIRA / PUBLICO

Portugal foi condenado a pagar mais de 68 mil euros ao ex-ministro do PS Paulo Pedroso. Em causa, desde logo, a sua detenção e prisão preventiva em Maio de 2003 no âmbito do chamado processo Casa Pia.

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Portugal foi condenado a pagar mais de 68 mil euros ao ex-ministro do PS Paulo Pedroso. Em causa, desde logo, a sua detenção e prisão preventiva em Maio de 2003 no âmbito do chamado processo Casa Pia.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entende que foram violados vários direitos protegidos pela convenção europeia (como o "direito à liberdade e à segurança" e o "direito a indemnização"). E diz que a detenção e prisão preventiva de Pedroso aconteceram sem que as suspeitas de abuso de menores que sobre ele recaíam fossem plausíveis. “Os argumentos usados para justificar a sua detenção não eram relevantes ou suficientes.”

Numa nota emitida nesta terça-feira, no site do tribunal europeu, lê-se que “as autoridades judiciais portuguesas falharam” ao não encontrar “medidas alternativas” à prisão preventiva de Pedroso que acabou por não ser levado a julgamento neste caso.

O tribunal nota que foi negado o acesso de Paulo Pedroso (que esteve preso preventivamente até Outubro de 2003) a peças essenciais dos testemunhos das vítimas que lhe podiam ter sido disponibilizados sem comprometer a identidade dos menores. Eram, afinal, essas peças e testemunhos que sustentavam as suspeitas de abuso sexual que tinham levado à sua prisão.

Para os juízes de Estrasburgo, houve, naquela altura, um conflito entre "dois direitos fundamentais". A saber: o que está previsto no ponto 4 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (que diz que "qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal") e a protecção da privacidade das vítimas.

Consideram os juízes europeus que o então suspeito deveria ter tido acesso aos documentos que sustentavam a sua prisão preventiva, nomeadamente os testemunhos e os relatórios médicos das vítimas. Que isso garantiria um maior equilíbrio entre os dois direitos em confronto e que teria sido possível garantir esse acesso, salvaguardando, em simultâneo, a identidade das vítimas. Não tiveram assim acolhimento os argumentos do juiz responsável pelo caso que se baseavam no segredo de justiça, na confidencialidade dos relatórios médicos e na situação de "alta vulnerabilidade" em que se encontravam as vítimas. 

Indemnização de um euro "já seria suficiente"

O tribunal europeu não considerou, contudo, como alegou Pedroso, que o ex-governante não tenha sido informado das razões da sua detenção, como previsto no ponto 2 do artigo 5.º da convenção europeia ("Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela.")

Para o advogado do ex-ministro, Celso Cruzeiro, a decisão conhecida nesta terça-feira confirma que "em Portugal, quem é preso ilegalmente e sem fundamento tem direito a ser indemnizado". "O ordenamento jurídico português tinha consagrado que o erro tinha sido cometido, mas tinha defendido que o erro não era de tal monta que pudesse justificar uma indemnização e é isso que agora vem a ser posto em causa", declarou, citado pela Lusa. 

Paulo Pedroso está ausente nos Estados Unidos mas terá dito ao seu advogado que "uma indemnização de um euro já seria suficiente", porque o importante é o reconhecimento da violação da lei praticada pelos órgãos jurisdicionais competentes". 

Já o ex-casapiano Pedro Namora, advogado que se destacou na denúncia dos casos de abusos sexual na instituição, considera que a decisão do tribunal europeu teria sido diferente "se os juízes tivessem ouvido as crianças que acusaram Paulo Pedroso". "Esta decisão há-de ser judicialmente muito equilibrada, mas não tem em conta o essencial que é a dor das vítimas", declarou ao PÚBLICO.

Vitória meramente "processual"

"Esta vitória do doutor Paulo Pedroso acaba por se dever a questões processuais que, em Portugal, se aplicam a noventa por cento dos arguidos comuns. Tanto quanto percebi, o tribunal não se pronuncia sobre o fundo da questão. E, para mim, Paulo Pedroso continua a ser uma pessoa por quem sinto uma profunda repugnância", acrescentou o autor do livro A dor das crianças não mente que escreveu a propósito do processo Casa Pia

Este processo é resumidamente lembrado na nota do tribunal. Pedroso, que foi ministro do Trabalho e da Solidariedade entre Março de 2001 e Abril de 2002, foi uma de dez pessoas acusadas em Dezembro de 2003 por abuso sexual de menores no âmbito do processo Casa Pia.

Antes, a 21 de Maio de 2003, o juiz Rui Teixeira deslocara-se à Assembleia da República para entregar a Mota Amaral um pedido de levantamento da imunidade parlamentar a Paulo Pedroso, deputado do PS. No dia seguinte, Pedroso era preso preventivamente por suspeitas de abuso sexual de quatro jovens.

O ex-governante contestou. Quando foi libertado, cinco meses depois, em Outubro de 2003, dirigiu-se imediatamente para a Assembleia da República onde foi apoteoticamente recebido pelos colegas de partido. Um acolhimento que gerou na altura muita controvérsia. 

Em Maio de 2004, Pedroso ficou a saber que não iria a julgamento porque a juíza Ana Teixeira e Silva, do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, entendeu, entre outras coisas, que havia "dúvidas sérias” sobre a sua identificação como eventual abusador por parte das vítimas (esta decisão viria a ser confirmada em 2005 pelo Tribunal da Relação). 

Em Outubro de 2004, Paulo Pedroso acusou o Estado de detenção ilegal, alegação que veio a ser rejeitada. E, em Março de 2011, depois de o Estado Português ter sido condenado em primeira instância a pagar 137 mil euros ao ex-dirigente socialista por prisão ilegal e erro grosseiro, o Supremo Tribunal acabou por dar razão ao Estado português e entendeu que Pedroso não tinha direito a ser indemnizado. 

Pedroso pedia 450 mil euros

No recurso ao tribunal europeu, em Setembro de 2011, o ex-governante voltou a queixar-se dos pressupostos que ditaram a sua prisão preventiva e de não lhe ter sido garantido acesso às queixas das vítimas e respectivos relatórios médicos, bem como da forma como o processo se arrastou. Pedia uma indemnização superior: cerca de 450 mil euros, dos quais cerca de 31 mil a título de indemnização pelo salário que deixou de receber durante o período em que esteve detido, e 22.850 euros que alegou ter pago a título de despesas com peritos jurídicos e psiquiátricos consultados no âmbito do seu recurso da prisão preventiva. Pedroso pedia, além disso, 291 mil euros para cobrir os gastos processuais que teve de suportar. 

Nesta terça-feira o tribunal com sede em Estrasburgo confirmou que, nomeadamente no momento em que o tribunal decidiu prolongar a sua prisão preventiva, em Julho de 2003, não havia "suspeitas plausíveis" de que o arguido abusara de menores, até porque Pedroso nunca fora identificado pessoalmente pelos queixosos. Os juízes europeus votaram assim, com quatro votos contra três, que Portugal tem de pagar a Pedroso 14 mil euros por danos pecuniários, 13 mil euros por danos não pecuniários e 41.555 euros por "custos e despesas".

Queixa de Carlos Cruz marcada para dia 26

O ministro do Trabalho de Guterres não foi o único a levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O ex-apresentador de televisão Carlos Cruz, que foi condenado a sete anos de prisão por três crimes de abuso sexual de menores (uma pena que seria depois reduzida para seis anos), também se queixou de "quatro inconstitucionalidades" no processo que o condenou e que foi o mais longo processo da história judiciária portuguesa: o julgamento prolongou-se por seis anos, com perto de 500 sessões de audiência.

A violação do direito a ser julgado "num prazo razoável" foi uma das queixas apontadas pelo advogado de Carlos Cruz, Ricardo Sá Fernandes. A outra prendeu-se com a falta de acesso às declarações das vítimas na fase de investigação/inquérito, a que se soma a alegação de que o processo não acautelou o direito à presunção de inocência.

Carlos Cruz reclama ainda ter sido preso sem saber porquê, numa situação que perdurou desde o momento da detenção, a 31 de Janeiro de 2003 até que foi notificado da acusação, a 29 de Dezembro do mesmo ano. "Durante todo esse período — apesar das suas inúmeras mas frustradas, solicitações — foi vedado ao arguido conhecer os factos concretos que eram considerados indiciados e justificavam a sua prisão, não lhe sendo comunicado quando, onde, com quem, de que modo e sobre quem teriam sido cometidos", alega Ricardo Sá Fernandes. 

A queixa de Carlos Cruz foi apresentada em Setembro de 2012 ao TEDH e, segundo a revista Sábado, conhecerá uma decisão no próximo dia 26. O apresentador de televisão, recorde-se, saiu em liberdade condicional em 2016, cumpridos dois terços da pena.

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