Polícias acusados de agressões a jovem no Tribunal de Amadora vão a julgamento

Um dos polícias era comandante da esquadra da Brandoa. Ministério Público acusou-os de ofensa à integridade física no ano passado, mas o juiz de instrução de Sintra decidiu não os levar a julgamento. Relação defende agora que há “elevado grau de probabilidade” de polícias serem condenados.

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Bruno Lisita

Três agentes da PSP, incluindo um comandante de esquadra, irão a julgamento acusados pelo Ministério Público (MP) de agressão a um jovem em plenas instalações do Tribunal da Amadora no ano passado.

O subcomissário Hugo Correia, de 27 anos, que na altura do evento dirigia a esquadra da Brandoa, é ainda acusado do crime de falsificação de documento e de denúncia caluniosa. Com os agentes Tiago Pereira, de 34 anos, e Diogo Ribeiro, de 26 anos, é-lhes imputado o crime de ofensa à integridade física a E. Silva, jovem de origem angolana.

O subcomissário tinha pedido a abertura de instrução do processo e o juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Sintra decidiu que não ia sujeitar os arguidos a julgamento. Mas o MP da Amadora recorreu e a 29 de Maio o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a acusação. Os agentes aguardam o julgamento em liberdade com termo de identidade e residência.  

No acórdão do Tribunal da Relação lê-se: “Da prova produzida no inquérito resulta claramente que existe uma muito maior probabilidade de os factos terem ocorrido como descrito na acusação formulada pelo Ministério Público do que como descrito pelos arguidos. Ou seja, há um elevado grau de probabilidade de terem sido cometidos os crimes imputados e deles terem sido autores os arguidos contra os quais foi deduzida a acusação, sendo maior a probabilidades de aqueles serem condenados, do que serem absolvidos”.

Polícia terá desferido pontapé no peito

O despacho de acusação do MP da Amadora, de 3 de Outubro de 2017, descreve o que se passou no dia 13 de Março desse ano, pelas 10h, no interior do edifício do Tribunal da Amadora. Lê-se que o arguido Hugo Correia e o ofendido E. Silva cruzaram-se no espaço entre as casas de banho de apoio à sala de testemunhas e a sala dos advogados. Hugo Correia voltou-se para E. Silva (que ali estava para tratar de um processo de regulação parental):

– “Estás a olhar para mim porquê?”

– “Não estou a olhar para si, não o conheço”, respondeu E. Silva.

– “Estavas a olhar para mim, estavas”, insistiu Hugo Correia.

“De imediato”, o agente Diogo Ribeiro, que tinha o uniforme, “empurrou com força” E. Silva contra a parede próxima da entrada das casas de banho, tendo batido com as costas. Hugo Correia agarrou-o pelo pescoço com a mão direita e apertou-o com força.

Aproximou-se outro agente da PSP, Tiago Pereira, à civil, e com o seu pé direito deu um pontapé no peito de E. Silva.

Dois advogados que ali estavam a tratar de outros processos, e sem relação com E. Silva, “foram impelidos a intervir em sua defesa” e deslocaram-se ao gabinete do Procurador da República para fazer uma denúncia do sucedido, descreve, por seu lado, o acórdão da Relação.

O facto de não haver relação destes advogados com a vítima levou o colectivo a afirmar que, ao contrário das testemunhas a favor dos polícias – dois agentes “cujo código de honra os levaria a depor de forma a não desfavorecerem os arguidos” – estes não tinham “nenhum interesse pessoal na causa”. E nem se vislumbra “que fossem movidos por qualquer outro interesse para além de pretenderem que se fizesse justiça ao aludido cidadão que, do ponto de vista daquelas testemunhas, tinha sido vítima de agressão policial injustificada”. Outra testemunha sem relação com E. Silva confirmou o que disseram aqueles dois advogados e o jovem.

A 14 de Março Hugo Correia escreveu num auto de notícia que tinha sido E. Silva a dirigir-se a ele e aos dois agentes dizendo: “Palhaços do caralho, falem mas é para a parede.”

Segundo o MP, o comandante sabia que esta expressão nunca tinha sido dita e que quando a incluiu no auto sabia que era para suportar a abertura de um processo-crime – o que veio a acontecer mas foi arquivado. Sabia também que “os factos não tinham ocorrido como declarava, tendo-o feito com consciência da falsidade da imputação”. Para o procurador, os factos foram um “grave abuso da função em que estavam investidos” e “grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correcção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade no exercício dos cargos para que tinham sido investidos.”

As várias versões do que aconteceu

Quando decidiu não pronunciar os polícias, o juiz do Tribunal de Instrução de Sintra referiu que o MP tinha exposto “flagrantes discrepâncias entre arguidos e testemunhas”. Agora, o Tribunal da Relação diz: “No que respeita às ditas agressões, há um núcleo fundamental que está presente em todos os depoimentos e que, por isso, é corroborado por todas as aludidas testemunhas, independentemente de algumas divergências de pormenor que, do nosso ponto de vista, não comprometem o essencial”.

No auto de notícia, continua o MP, o subcomissário Hugo Correia refere que E. Silva dirigiu aquelas expressões a si próprio mas no interrogatório complementar contradizeu-se e disse que tinham sido proferidas relativamente ao agente Tiago Pereira. Por sua vez, Tiago Pereira, que se tinha dirigido ao tribunal para ser ouvido como testemunha num julgamento, disse no interrogatório que “não viu nenhuma confusão em tribunal que envolvesse colegas seus”.

Já outro agente deu uma outra versão: “Quando se dirigiu com o sr. subcomissário Hugo Correia para a sala de espera ouviu um burburinho atrás de si e apercebeu-se que o seu colega Tiago Pereira pedia a identificação do E.”. Sobre as expressões que Hugo Correia imputa a E. Silva diz que não as ouviu, mesmo estando sempre perto do subcomissário.

O subcomissário Hugo Correia foi uma das pessoas da divisão da Amadora investigada pela Polícia Judiciária noutro processo em que se denunciavam irregularidades com autos de contra-ordenação.

Ainda em Março, e já depois da acusação do MP, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP atribui-lhe um diploma de louvor por "lealdade e capacidade de sacrifício no desempenho das suas funções".

Em Outubro, o MP pediu também a pena acessória de proibição do exercício de função para Hugo Correia mas a Relação não encontrou motivo para tal. "Dadas as circunstâncias apuradas, a medida proposta apresenta-se manifestamente desproporcionada e desnecessária", até porque, diz, "não há conhecimento de que existam outras situações, anteriores ou posteriores à que está em causa nestes autos, que permitam supor ou que evidenciem o perigo que é invocado".

Neste momento, Hugo Correia dirige a esquadra da Mina, na Amadora.

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