Diáspora impõe nova diplomacia

Tal como funciona, o nosso corpo diplomático é, na perspectiva do interesse nacional, dispensável.

A diplomacia portuguesa é inútil. E cara. Centenas de embaixadas, consulados e representações dispersos pelo mundo, milhares de funcionários, orçamentos de milhões. Um custo imenso para um benefício irrelevante. No estado a que chegou, a nossa diplomacia já nem é reformável. O modelo em vigor tem de ser extinto.

O que temos actualmente é a maioria das embaixadas a funcionar ainda na lógica do anterior regime, do Estado Novo. Os embaixadores sentem-se representantes de um império mundial que já fomos e agem como tal. Justificam a sua existência com a representação protocolar de um Portugal pluricontinental. Passeiam-se de cocktail em jantar, no circuito internacional do croquete. De copo gelado na mão, constituem uma “brigada da mão fria”, uma inutilidade superlativa. Para além desta actividade (?!), os embaixadores e seus acólitos limitam-se a pajear governantes portugueses em visitas de Estado. Aqui e além, servem também para traficar influências locais em benefício apenas de alguns empresários protegidos pelo regime. Tal como funciona, o corpo diplomático nacional, espalhado pelos quatro cantos do mundo é, na perspectiva do interesse nacional, dispensável.

Há até situações em que a manutenção de algumas embaixadas constitui uma afronta aos princípios da própria diplomacia. É o caso das embaixadas portuguesas nas capitais europeias. Não têm qualquer relevância política, uma vez que as relações entre países europeus são definidas por disposições emanadas de Bruxelas. Nem tão-pouco proporcionam qualquer apoio a cidadãos ou empresas nacionais; tal não faria sequer sentido, na medida em que, no espaço comum europeu, há livre circulação de pessoas, bens, capitais e até de serviços. Não definem políticas diplomáticas, nem estudam as realidades locais. Não servem para nada. São apenas residências de férias permanentes de embaixadores e de fim-de-semana de membros do Governo. No seio da União Europeia, as relações diplomáticas bilaterais são já uma curiosidade jurássica.

Urge, pois, reinventar a diplomacia nacional. Esta deverá ser (re)estabelecida com base em três vectores estratégicos: a representação dos interesses de Portugal junto dos países mais influentes (como os Estados Unidos, Rússia, China ou Índia), o apoio permanente à vasta comunidade emigrante e a difusão e preservação da nossa língua e cultura. Devem ser estes os objectivos centrais da nossa representação internacional.

Em primeiro lugar, a um país com um terço da sua população expatriada, com cinco milhões de portugueses e lusodescendentes, exige-se uma rede consular e diplomática compatível, que apoie de perto os portugueses na diáspora, de Newark a Joanesburgo, de Londres a Caracas, em Paris ou no Luxemburgo. Deve ser constituída por balcões de cidadão onde cada compatriota possa tratar, de forma expedita, dos assuntos respeitantes com a Administração portuguesa. A par destes serviços, devem existir escolas para divulgação da língua e da nossa cultura secular. Seriam instrumento central na preservação cultural, junto das famílias dos portugueses e lusodescendentes. Estas escolas seriam, aliás, economicamente rentáveis. Nos casos em que a dimensão local das comunidades o justificasse, poderia mesmo haver escolas com ensino integral em português. É este, aliás, o modelo adoptado por outros países, nomeadamente a França, que dispõe da “Alliance Française” e da rede de liceus franceses como factores de disseminação cultural. Com que meios se implementaria este modelo? Com aqueles de que o Estado já dispõe: as instalações de embaixadas e consulados, os respectivos recursos humanos, bem como os que estão afectos ao moribundo Instituto Camões. Peça fundamental neste puzzle é ainda o serviço público de televisão: à RTP deve ser atribuída a incumbência de garantir a ligação permanente de Portugal ao mundo e o vínculo dos portugueses ao seu país. Tal implicaria uma programação bem distinta da que hoje é servida nas maçadoras RTP Internacional e RTP África.

Toda esta rede tinha de saber interpretar a mais distintiva característica nacional: a universalidade do povo português. Uma diplomacia renovada deveria apoiar (e apoiar-se) nos portugueses da diáspora. Até porque os emigrantes, esses sim, são os nossos mais genuínos embaixadores, os que melhor defendem os interesses culturais, sociais, económicos e estratégicos de Portugal.

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