Se faz favor, não tropece no obrigado!

Divertido, acelerei o passo e passando ao lado da vaporosa jovem, disse-lhe: “Cuidado” apontando para a sua frente. Olhou e porque nada viu, voltou-se para mim avaliando-me expectante. Depois de uma pausa disse-lhe: “Se faz favor, não tropeçe no obrigado!”

A porta fechou-se de repente e o elevador sumiu-se perante o espanto das duas crianças que corriam para ele em obediência ao “não deixe fechar a porta” que a Mãe lhes tinha lançado. Muito bem postas na farda do colégio, saia cinzenta com vincos, camisa branca e pullover azul escuro, com emblema ao peito, as crianças olharam para a Mãe com um ar de suspense...

À minha frente estava uma jovem Mãe de silhueta elegante e delgada. Empurrava um carrinho com um bebé, avançando decidida para a porta do elevador que acabara de se esgueirar e assim lhe travou o passo na sua bela sabrina de camurça, calça vermelha com um bordado de flores que lhe trepava pela perna acima, fazendo lembrar o conto do João e o Pé de Feijão. Arejando-se numa blusa de seda beije tratada com agulha e dedal e remates de corte e costura que lhe compunham o trato de laca que um cabeleireiro tinha posto cabelo.

Estavamos no atrium dos elevadores da Rua dos Fanqueiros, onde existem três elevadores que levam para a Rua da Madalena. O chamado Elevador do Castelo. Uma coisa moderna, onde tudo é de vidro transparente e por isso se pode ver de uns elevadores para os outros. Estando no atrium, se os três elevadores fossem um podium olímpico, o elevador que se tinha acabado de sumir era o da ponta direita, o do lugar de bronze. Sorte das sortes o elevador correspondendo ao lugar de prata no podium, ou seja o da ponta esquerda, no extremo oposto, acabava de chegar e de abrir as portas. Avancei e segurei a porta olhando na direcção das crianças, que não perderam tempo à espera da Mãe, e olhando para mim tão aliviadas como deliciadas rasparam-se para dentro do elevador que servia de recinto às suas risadas. Um casal de estrangeiros que estava por detrás de mim permaneceu onde estava, e todos olhámos na direção da jovem Mãe, aguardando que viesse da outra ponta e entrasse com o bébé no carrinho. Eu ali estava com a mão na porta a impedir que se fechasse, pois na anterior vida, as portas daqueles elevadores devem ter sido guilhotinas, tal é o ver se te avias, enquanto abrem e fecham.

A jovem Mãe moveu-se em direção ao elevador. Achei graça, pois deu-me a impressão de ser um daqueles barco a vapor que zarpavam do Cais do Tabaco, avançado de proa e oferecendo ao atlântico a sua elegância. Nisto..., e perante a assistência do casal e da minha, passou a porta do elevador, e nem uma palavra ou um gesto de agradecimento. “Ora toma lá, que já sabes que para porteiro de elevador estás aprovado!” Pensei eu de mim para mim. Dentro do elevador tinha perante mim esta vaporosa jovem, e na outra ponta do elevador, estavam as manas que se divertiam em risadas e em gestos de “adeuses” para o casal e para mim. Até que num ápice engoliram os risos e os “adeuses”, olhando para a Mãe como que para um Altar, pois afinal de contas o que é isso de falar a estranhos.

A subida até ao terceiro piso é rápida, até que se tornou lenta. Isto é porque antes de chegar ao piso e abrir a porta, o elevador como que trava e sobe vagarosamente, quase igual a um barco a vapor a acostar ao molhe de um porto, é tudo devagarinho... Nisto as crianças encostam os narizes e as mãos às portas que são de vidro transparente e através das quais podiam ver o lado de fora, onde estavam as pessoas à espera para descer. “Não suje as mãos” rematou a vaporosa jovem em direção à filha que de jacto aproveitou a abertura da porta do elevador, para se largar numa corrida deixando no vidro as suas dedadas... Aguardei e como a minha Mãe me ensinou, com a mão fiz sinal para que exercesse a sua prioridade de passagem e saisse com o bebé no carrinho. Estava no entanto curioso em saber se desta vez à elegância do trajar, haveria par na elegância de modos, num muito simples agradecimento, que é coisa até pouco exigente em matéria de português, como sabem até aqueles que não tiveram a felicidade de ser instruidos em gramática. Assim fez... no que diz respeito ao passar... porém novamente em silêncio. Agradecimentos é que, como assim se certificou só mediante requerimento em papel azul de 25 linhas.

De repente, e quando as rodas da frente do carrinho de bebé já tinham passado a calha de saida do elevador, as detrás ficaram presas por uns instantes. A isto respondeu a vaporosa jovem prontamente. Aplicou-lhe um safanão decidido, pois ali ordenava ela. E lá zarpou... oferecendo as costas aos demais e desfilando no piso, o pisar de sua sabrina e do seu corte e costura, por entre todos os que abriram alas que passasse em direção à Rua da Madalena. O tropeção das rodas do carrinho de bebé à saída do elevador lembrou-me o serviço que o farol no Bugio presta em face dos perigos dos rochedos. Divertido, acelerei o passo e passando ao lado da vaporosa jovem, disse-lhe: “Cuidado” apontando para a sua frente. Olhou e porque nada viu, voltou-se para mim avaliando-me expectante. Depois de uma pausa disse-lhe: “Se faz favor, não tropeçe no obrigado!”

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