Centeno e Regling em sintonia: agir agora para prevenir crises futuras

Ministro das Finanças reuniu-se com o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Centeno pede aos governos para não dormirem sobre os “louros alcançados”. Aviso aos parceiros do euro vale também para Portugal.

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“As pessoas sorriem mais agora do que há três anos”, ironizou o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, de visita a Portugal (na imagem sentado, a cumprimentar Mário Centeno) Daniel Rocha

Há uma linha que liga o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo Mário Centeno a Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). Já passaram oito anos desde o início da crise grega e os dois não se esquecem dos dias agitados que levaram o presidente do BCE, Mario Draghi, a dizer que faria o que fosse preciso para salvar a moeda única. Agora, ao olharem para uma zona euro a viver dias de menor tensão económica, ambos convergem numa ideia: os governos europeus devem aproveitar o actual momento para reduzir fragilidades e desequilíbrios económicos.

Foi uma mensagem com um tronco comum aquela que os dois levaram a uma conferência organizada em Lisboa pelo PÚBLICO sobre o futuro do mecanismo de estabilidade, o instrumento que nasceu durante a crise para garantir os empréstimos aos países em dificuldades da moeda única e sobre o qual se discute o cenário de passar a ser um Fundo Monetário Europeu.

Regling, que ontem ainda se encontraria com Centeno e o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, para uma reunião de trabalho na Fundação Calouste Gulbenkian, defendeu que Portugal deve aproveitar a actual conjuntura económica para reduzir a dívida pública, ainda muito elevada (126,4% em Março), pois considera mais difícil fazê-lo “quando o crescimento for mais baixo”. Um abrandamento é “inevitável”, constatou, por ser previsível que a economia se aproxime do seu PIB potencial.

Se Regling deixou sugestões ao Governo português, também Centeno, na pele de ministro-presidente do Eurogrupo, deixou vários avisos que, dirigidos ao conjunto dos parceiros da moeda única, podem ser vistos como um sinal de que é essa a estratégia que seguirá no Terreiro do Paço. “Os governos europeus não podem dormir sobre os louros alcançados”, mas devem lembrar-se de que o “esforço de reformas estruturais deve ser contínuo”, afirmou Centeno, lançando outro alerta: “A tentação para a complacência é grande numa altura em que a economia cresce”.

Centeno tinha a ouvi-lo Klaus Regling, que além de repetir algumas recomendações feitas pela Comissão Europeia a Portugal (melhorar a sustentabilidade do sistema de pensões e dar atenção ao crédito malparado, por exemplo), deixou também elogios. Considerou o país um dos “bons exemplos” da estratégia seguida na zona euro para combater a crise e brincou: “As pessoas sorriem mais agora do que há três anos”. Regling assinalou desenvolvimentos como a descida do desemprego, o facto de as exportações estarem agora a contribuir para o crescimento e a maior resiliência do sector bancário.

A mensagem de Centeno de que a Europa deve preparar-se para os “desafios futuros” e precaver-se contra “novas tempestades” surge na altura em que os líderes europeus se preparam para a cimeira europeia de 28 e 29 de Junho, antecedida de um Eurogrupo onde deverão ser discutidas reformas na união económica e monetária, que incluem um aumento da capacidade orçamental da zona euro, a conclusão da união bancária e o reforço das competências do MEE.

As ambiciosas propostas de Emmanuel Macron, o documento um pouco mais moderado da Comissão Europeia e a resposta recente de Angela Merkel, a tornar claros os limites da Alemanha mas sem fechar a porta a uma convergência com a França, são até agora os momentos fulcrais deste debate que terá de acelerar nos próximos dias.

Evitar sobreposições

A discussão em torno do MEE é uma das mais avançadas. Centeno lembrou que existe entre os ministros do euro “um apoio muito alargado” para atribuir ao MEE “um novo instrumento para financiar o Fundo Único de Resolução bancária”. Outra proposta que tem sido discutida “visa reforçar o papel do mecanismo na gestão de crises e no desenho dos programas de ajustamento. Uma outra ideia é atribuir-lhe competências na prevenção de crises, em parceria estreita com a Comissão Europeia e evitando quaisquer tipo de sobreposição de funções”.

Para o futuro, Regling assume que, com o Fundo Monetário Internacional a reduzir o seu papel na zona euro, futuros resgates e programas de ajustamento poderão vir a ser realizados pela Comissão Europeia e pelo MEE. No entanto, garantiu, não quer tirar qualquer competência à Comissão. “Isso só seria possível com uma alteração de tratado, o que demorará algum tempo”. 

É um dos tópicos do debate quando se discute este novo Fundo. Na plateia da conferência, a deputada do PS e ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, disse entender que é possível criar o FME “no quadro dos actuais tratados”.

Na mesa redonda com Regling, António Cabral, antigo director-geral adjunto para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, considerou natural que o futuro FME queira estar atento “à evolução dessas contas públicas e queira participar dessa supervisão do ponto de vista orçamental”. Mas deixou uma reflexão sobre a separação de papéis que considera dever existir entre o Fundo e a Comissão Europeia. Para António Cabral, a assistência financeira deve caber ao futuro FME, mas a estabilização “deve pertencer à Comissão Europeia”.

Para Klaus Regling, o actual MEE poderá ajudar sobretudo nas questões relacionadas com a sustentabilidade financeira dos países e o acesso aos mercados, ajudando a estabilizar países da zona euro, “antes que pequenos problemas se tornem em grandes”. O trabalho das duas instituições “poderá ser feito de forma muito produtiva”, defendeu, recusando a ideia de que possa haver problemas na divisão de trabalho que irá ser realizada entre uma entidade com perfil mais técnico (MEE) e uma com um perfil mais político (Comissão Europeia).

O economista Ricardo Cabral avisou para o risco de o futuro Fundo vir a “representar os seus próprios interesses como credor”. Ao olhar para actuação do FMI – que foi parceiro no financiamento dos resgates da troika – o economista vê nas decisões da instituição “sempre um peso político muito importante”, por “mais técnicas” que essas decisões sejam. Deu um exemplo: dificilmente o conselho de administração do FMI viria “a considerar que a dívida de Itália fosse insustentável”.

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