Fazer oposição

Quando decida cooperar com o Governo, a oposição deve ser capaz de explicar porquê e em que medida essa cooperação faz sentido no contexto do seu programa político.

As democracias modernas assentam no pluralismo político, incorporando fações políticas que estejam no Governo e fações que se lhes oponham. A oposição política não só não é proibida, como é institucionalizada, existindo regras que promovem a sua capacidade de intervenção política. O objetivo é promover um debate político de qualidade entre as diversas opções políticas existentes, que informe o processo de tomada de decisão política dos cidadãos e das diversas instituições democráticas, melhorando assim as políticas públicas.

As diversas forças políticas vão concorrer e cooperar de forma a conseguirem implementar, na medida do possível, a respetiva agenda política. Espera-se que todas apresentem um programa político que explicite um conjunto de prioridades políticas para as diversas áreas da governação e intervenham no debate público e mediático sobre essas políticas. E espera-se que as regras do jogo asseguram que a ascensão e o declínio das diversas forças políticas entre o eleitorado se traduzam numa alternância política no exercício efetivo do poder.

A democracia moderna institucionaliza a concorrência e cooperação entre estas diversas alternativas políticas, que tomam a forma de partidos políticos. Os partidos políticos devem estar capacitados para influenciar o processo de tomada de decisão político e para implementarem o respetivo programa, quando chamadas a isso. Este é o denominador comum esperado de todos os partidos políticos, quer sirvam de suporte a uma maioria parlamentar e a um Governo, quer estejam na oposição.

Dos partidos políticos que estão na oposição é esperado que desenvolvam uma alternativa política ao Governo. Esta deve incluir pessoas capacitadas para assumir funções governativas e de assessoria política e um programa político próprio, diferente do programa do Governo, que apresente prioridades políticas e propostas de políticas públicas claras e adequadamente fundamentadas. Numa democracia moderna, a oposição tem um papel essencial, que não pode desempenhar sem apresentar um programa político claro, rigoroso, fundamentado e credível e uma equipa capaz de, sendo chamada a isso, implementá-lo na prática, transformando as propostas em medidas políticas concretas.

Esta alternativa política permite uma intervenção substantiva da oposição no debate parlamentar e nos diversos debates públicos e mediáticos. Ao intervir, espera-se que a oposição apresente uma equipa com ideias, preparada e profissional, capaz de defender cabalmente as propostas de políticas públicas constantes do programa, de criticar, com substância, as opções governativas, e de assim mostrar ser uma alternativa viável de Governo. Quando decida cooperar com o Governo, deve ser capaz de explicar porquê e em que medida essa cooperação faz sentido no contexto do programa político da oposição.

O programa político da oposição deve ser claro, apresentando os valores e os princípios que se lhe encontram subjacentes, bem como um conjunto estruturado e integrado de políticas públicas, coerentes entre si (designadamente por assentarem nos mesmos valores e princípios de base) e que se complementem. O programa deve ser claro nos seus objetivos, as propostas de políticas públicas devem partir de estudos credíveis da realidade empírica, cujos pressupostos sejam, também eles, claramente apresentados.

O processo de desenvolvimento de políticas públicas e de resposta a questões pontuais deve ser contínuo. Um partido da oposição deve criar uma equipa que lhe permita preparar e apresentar as suas propostas políticas e criticar, de forma substantiva, as políticas do Governo. Deve dispor, designadamente, de um porta-voz responsável por cada área governativa, que lidere o processo de desenvolvimento de políticas públicas para a sua área e represente o partido no debate com o Governo. A crítica e o confronto políticos devem ter lugar, em primeira linha, no Parlamento. É esperado que o Governo anuncie e debata as suas políticas e preste contas aos deputados. E também a oposição o deve fazer, munida da investigação e propostas decorrentes de gabinetes de estudos próprios ou utilizando estudos públicos ou produzidos por centros de investigação independentes.

As regras do debate parlamentar devem forçar o Governo a responder às perguntas dos deputados, incluindo, naturalmente, dos deputados da oposição. Devem existir regras a forçar a existência de sessões parlamentares em que é exigido que sejam apresentadas perguntas por parte dos deputados e em que seja exigido que a todas elas seja dada uma resposta por parte do Governo. Os debates parlamentares devem ir além do mero teatro. Devem ser verdadeiros confrontos de ideias e programas alternativos para o país, que decorrem com civilidade e decoro. Assim, a Assembleia da República deve dispor dos meios necessários para assegurar um trabalho eficiente, produtivo e efetivo da parte dos deputados, incluindo dos deputados da Oposição, que devem também ter, a cada momento, acesso a informação oficial fidedigna.

 Um momento muito importante do ano parlamentar é o debate do Orçamento do Estado. O Governo apresenta o seu Orçamento e o seu plano, num contexto plurianual. A oposição devia fazer algo análogo. Devia apresentar um Orçamento Sombra. Desse Orçamento Sombra, assente num modelo macroeconómico próprio, deveriam constar, de forma transparente, as prioridades financeiras da oposição, em alternativa àquelas apresentadas pelo Governo. Além de ter de aumentar a transparência do processo orçamental do Governo, tem também de aumentar a transparência das “contas” da Oposição relativas ao respetivo programa e prioridades. Este aumento da transparência da parte do Governo e da oposição permitiriam melhorar a qualidade do debate público e mediático sobre o Orçamento do Estado.

Para a sobrevivência continuada, sustentável e saudável da nossa democracia, fazer oposição tem de significar mais do que apenas esperar que o Governo caia por impopularidade. A oposição tem de assumir o seu papel como promotor de um processo de deliberativo público de qualidade, o que significa investir na investigação, preparação e promoção de um programa integrado de políticas públicas, com cálculos para os respetivos custos. O cumprimento cabal deste dever permite aos partidos da oposição estarem preparados para assumir funções governativas, para elevar a qualidade do debate público e para se afirmarem perante o eleitorado pela qualidade das suas propostas.

A desconfiança e o descrédito da política e dos políticos devem ser combatidos através da qualidade e da excelência, quer da parte do Governo, quer da parte da oposição. Fazer oposição, numa democracia moderna, é fazer parte do sistema de freios e contrapesos que faz todo o sistema funcionar devidamente. Se fazer oposição não passar de fazer nada à espera que o Governo caia, ou mera chicana política, temos um problema. Se fazer oposição passar pela criação de uma equipa de qualidade, preparada para discutir de forma séria os problemas dos cidadãos, temos uma solução. E quem souber fazer melhor oposição, melhores condições terá para se mudar, a prazo, para o Governo.

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição.

 

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