Há um Mundial para as regiões que querem ser países. Ganhou a Carpatália

Tuvalu, Padânia, Matabeleland, Abecásia e Ilha de Man foram algumas das 16 selecções a disputar o título. Organização quer mostrar que não é “um traço num mapa e um tratado de paz há cem anos” que faz um país.

2018 Copa Mundial de Futebol ConIFA, equipe nacional de futebol Székely Land, Estádio Queen Elizabeth II, Enfield, Enfield Town FC
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A final da competição, a 9 de Junho, em que a Carpatália sagrou-se campeã frente ao Chipre do Norte DR
2018 ConIFA World Football Cup, Copa do Mundo da FIFA 2018, Confederação de Associações de Futebol Independentes
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Se o Mundial de 2018 da FIFA está prestes a dar o pontapé de partida, na Rússia – onde 32 selecções, incluindo a selecção portuguesa, vão competir pelo título –, um outro campeonato do Mundo terminou, no sábado, em Londres. A modalidade é a mesma: futebol masculino. Trata-se de uma competição alternativa, disputada por nações que não são reconhecidas oficialmente ou que não pertencem à Federação Internacional de Futebol.

Este é um Mundial de futebol alternativo, organizado pela Confederação de Futebol de Associações Independentes (ConIFA), a cada dois anos. Dos 47 membros da ConIFA, 16 qualificaram-se para a competição deste ano, a terceira edição do evento, que foi disputada em Londres ao longo de dez dias. Os critérios de admissão são simples: basta ser uma nação isolada, um estado autoproclamado ou uma minoria étnica, cuja independência não seja reconhecida pela comunidade internacional ou que não faça parte da FIFA. O objectivo: ser uma alternativa à norma geopolítica e ao status quo do futebol internacional e pôr estas regiões no mapa. "Os países costumam ser apenas casualidades históricas. Um traço num mapa e um tratado de paz feito há cem anos. Isso faz um país? Não reivindicamos ter a resposta, mas achamos que vale a pena fazer a pergunta", explicou Paul Watson, presidente do comité de organização, ao diário britânico Guardian.

Da Carpatália ao Tuvalu

A Carpatália — que entrou na competição como substituta de última hora e acabou por se sagrar campeã — é uma região nos Cárpatos, no Oeste da Ucrânia, que representa uma minoria étnica húngara que reivindica a sua independência. Na final, disputada no sábado no estádio Queen Elizabeth II, na região de Enfield, em Londres, a Carpatália derrotou a República Turca de Chipre do Norte – um estado de facto localizado em Chipre – por 3-2 nos penáltis, depois de um empate sem golos. 

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A Carpatália disputou a final do torneio com Chipre do Norte DR

O Tuvalu (estado da Polinésia, a sul da Oceânia), a Padânia (Norte de Itália), a Matabeleland (Zimbabué), a Abecásia (Cáucaso) ou a Ilha de Man (Mar da Irlanda) foram algumas das outras selecções a competir pelo título. Para muitos dos jogadores, esta é uma questão de identidade. "Sempre quis ser um futebolista internacional", explicou à estação Al-Jazira Necati Gench, defesa da selecção de futebol de Chipre do Norte. "Eu sempre pensei que isso significaria representar a Turquia. Mas jogar na final com Chipre do Norte? Isso só acontece uma vez na vida", acrescentou. No caso do Tuvalu, apesar de se ter tornado um estado independente em 1978, este grupo de ilhas do Pacífico não faz parte da FIFA. De acordo com o presidente da selecção do Tuvalu, Soseala Tinilau, citado pelo jornal Guardian, aquele estado não preenche os requisitos necessários ao nível da capacidade de hotéis e estádios para se qualificar como membro da Federação Internacional de Futebol. 

Estas nações enfrentam obstáculos acrescidos. É o caso de Matabeleland, que teve de recorrer ao crowdfunding para conseguir o apoio financeiro necessário à sua participação. Embora a burocracia diplomática também se tenha revelado um entrave: a selecção da Cabília (Norte da Argélia) teve de entrar em campo sem seis dos seus jogadores, aos quais foram negados os vistos de entrada no Reino Unido. O próprio seleccionador da equipa, Aksel Bellabbaci, revelou à Al-Jazira ter sido preso pelas autoridades argelinas durante a preparação para o torneio. Antes do início da competição, a ConIFA recebeu ainda uma carta da comunidade greco-cipriota, a protestar contra a participação da República Turca de Chipre do Norte. Porém, o vice-presidente da selecção, Orcun Kamali, garante que as questões políticas não são uma preocupação: "Queremos jogar futebol. É por isso que estamos aqui", explicou. A China terá também colocado entraves à participação do Tibete neste campeonato ao condicionar os patrocínios e a cedência dos vistos aos jogadores tibetanos. Registaram-se ainda alguns confrontos entre a equipa de Barawa, uma cidade portuária na Somália (anfitriã oficial da competição), cuja selecção está agora sediada em Londres, e a Ilha de Man – uma ilha no Mar da Irlanda dependente da coroa britânica –, que levou esta última a abandonar o torneio, segundo a Agence France-Presse.

O balanço não deixou de ser positivo, com a organização a garantir que o fair-play prevaleceu durante a competição. Exemplo disso foi precisamente a equipa do Tibete, que abençoou os adversários em campo. O presidente da ConIFA, Per Anders Blind, assegura que esta é uma oportunidade para os membros se mostrarem ao resto do mundo e que "é muito importante contar a sua história".

Texto editado por Hugo Torres

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