Jogar à bola na véspera do exame de Matemática? “Sem dúvida!”

Exercício físico regular durante a preparação das provas nacionais ajuda a reduzir o stress e a ansiedade, avisa André Seabra, investigador da Universidade do Porto. As pausas devem fazer parte do plano de estudos dos alunos durante as próximas semanas.

Foto
André Seabra, investigador da Universidade do Porto Adriano Miranda

A vida de André Seabra andou sempre ligada ao futebol. Depois da licenciatura em Desporto, passou pelas equipas profissionais de Académica, Salgueiros e Leixões, até que voltou à Universidade do Porto, onde se especializou em actividade física em crianças e adolescentes.

Há seis anos, a UEFA, organismo que tutela o futebol na Europa, apoiou um programa por si desenhado de combate à obesidade infantil através desta modalidade, e, desde há um ano, passou a dirigir uma unidade de investigação dentro da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito da qual lançou o “medicamento futebol”, uma campanha de promoção do futebol recreativo enquanto actividade promotora da saúde.

Seabra defende por isso as vantagens do futebol na melhoria da saúde física e psíquica dos alunos, mas sublinha que as vantagens da actividade desportiva em tempos de preparação para os exames nacionais é transversal às diferentes modalidades. O importante é que seja um desporto de que o aluno goste e no qual se sinta realizado.

O exame de Matemática é no dia 25 de Junho, uma segunda-feira. É boa ideia que os alunos que vão fazer a prova marquem uma “futebolada” com amigos no domingo anterior?

Sem dúvida! Uma “futebolada”, uma caminhada ou ir dançar. É fundamental que isso aconteça. Segundo a Organização Mundial de Saúde, toda a criança ou adolescente deve fazer, pelo menos, 60 minutos diários de uma actividade física ou desportiva. É decisivo que essa actividade dê uma sensação de prazer e de bem-estar. Consequentemente, um adolescente que está num período intensivo de estudo – de elevada concentração e empenhamento – deve envolver-se diariamente em períodos de 60 minutos de actividade física ou em períodos mais curtos e espaçados ao longo do dia. Isso vai melhorar a sua sensação de bem-estar e de prazer e conferir-lhe uma maior capacidade de recuperação para que, no momento imediatamente a seguir, retome o estudo.

Muitos dos alunos que vão fazer exames têm os seus dias, nas semanas prévias, muito esquematizados, com tempos destinados ao estudo de cada matéria. Faz sentido que nesse calendário incluam também espaço para o exercício?

É óbvio que sim. Isso é importante, independentemente de estarmos a falar dos exames ou do tempo normal de aulas. As crianças e os adolescentes hoje passam 8 a 10 horas por dia na escola com comportamentos essencialmente sedentários: sentados, sem grande disponibilidade de prazer e de gasto de energia. Esse é um problema, independentemente de estarmos a falar da época de exames ou não. A ciência é muito clara a mostrar a importância das pausas ao longo do dia, que deveriam acontecer não apenas na época de exames, mas ao longo do ano lectivo todo.

Por que são importante essas pausas?

É impossível manter a disponibilidade de concentração, de empenho numa actividade que exige total disponibilidade como é o caso do estudo. Ninguém é capaz de estar envolvido numa actividade durante um tempo demasiadamente prolongado. Devemos ter pausas ao longo do dia para contrariar os comportamentos sedentários. O aconselhado é que de, 30 em 30 minutos, as pessoas se levantem durante 30 segundos ou um minuto, para que despertem, relaxem e assumam uma sensação nova, que lhe dê algum prazer. No momento seguinte, podem retomar a concentração.

É isso que devem também fazer os alunos?

Durante este período de exames, um adolescente estudará muitas vezes 10, 12, 15 horas por dia. O melhor que tem a fazer são estes cortes ao longo do dia. Para isso, deve escolher algo que o satisfaça e que fuja àquilo em que está verdadeiramente concentrado durante este período, que é estudar.

Há alguma modalidade desportiva ideal numa altura como esta de preparação para exames?

Deve ser algo de que o adolescente gosta bastante, que seja a sua modalidade favorita. Poderá ser o futebol, a dança ou o judo, ou poderá ser uma outra actividade. O fundamental é que faça estas pausas e que escolha uma actividade que lhe dê verdadeiro prazer. Além disso, deve ser uma actividade em que se sinta competente e em que tenha sucesso.

O “medicamento futebol”, que lançou no âmbito de uma iniciativa da FPF, elenca 11 benefícios do futebol entre os quais o combate ao stress e ansiedade e também a sintomas de depressão. De que modo é que o desporto influi positivamente num momento como estes?

A ciência identifica benefícios não só na saúde metabólica da criança, na saúde muscular a óssea, na própria saúde cárdio-vascular. Estes efeitos positivos são também claros do ponto de vista da saúde mental. Na investigação que temos vindo a realizar, usando como caso concreto o futebol, percebemos que uma criança e um adolescente que se envolve nesta prática desportiva sente normalmente menos perturbações psicológicas face que uma criança que não está envolvida numa prática desportiva. Uma criança com actividade desportiva evidencia menos sintomas de stress, de ansiedade e de depressão.

Isto é motivado pela actividade física em si ou tem também a ver com o facto de este ser um desporto colectivo?

Estes benefícios são encontrados independentemente de estarmos a falar de um desporto de equipa ou de um cariz mais individual. O desporto de equipa tem vantagens relativamente ao desporto individual, como o trabalho de equipa e a necessidade de estabelecer relações interpessoais. Para quem está fortemente envolvido num momento de estudo, que é eminentemente individual, é benéfico poder colaborar, conversar e partilhar experiências. Além disso, uma criança ou adolescente que se envolve numa prática desportiva de forma regular e sistemática, evidencia níveis superiores de auto-estima. Um adolescente com níveis de auto-estima maiores estará mais motivado para o objectivo de ter sucesso na realização do exame.

Que vantagens tem o futebol relativamente aos outros desportos?

Além dos benefícios de que já falámos, é um desporto extraordinariamente popular, em meninos e meninas.

Mas continua a ser eminentemente masculino em termos de preferências.

O número de meninas e mulheres envolvidas na prática desportiva é ainda muito baixo, apesar de um crescimento imparável nos últimos anos. Mas o que importa realçar é os resultados têm sido igualmente evidentes da importância que esta prática desportiva tem na saúde das raparigas adolescentes. Estes benefícios são transversais para meninos e meninas.

Retomemos a questão das vantagens do futebol.

Para além dos benefícios e da popularidade, este desporto tem uma questão que também me parece muito importante que é o facto de ser económico. Muitos adolescentes dizem-nos que têm algumas limitações do ponto de vista financeiro ou de transporte para chegar a uma infra-estrutura desportiva e por isso não têm prática desportiva. O futebol é fácil de implementar. Assim sendo, temos a combinação perfeita para podermos dizer que estamos uma estratégia boa do ponto de vista da saúde pública, que permite aumentar os níveis de actividade física e consequentemente um conjunto de benefícios alargados Se me perguntar se isso acontece com outra modalidade desportiva: é evidente que sim.

O importante é que o aluno escolha uma modalidade de que goste.

Algo que lhes dê prazer, que os deixe felizes, que se sintam motivados. Para que, no final da sua actividade desportiva, conseguirem ganhar energia e motivação para se empenharem novamente na actividade que neste momento é a primordial, que é a realização do exame. Esta é também uma mensagem importante para os encarregados de educação: devem ser eles próprios a proporcionar este tipo de actividades aos adolescentes durante as próximas semanas.

Sugerir correcção
Comentar