Marcelo adverte para “volupia das rupturas”, mas Costa desvaloriza

PSD diz que a mensagem é de tranquilidade, PCP considera que foi discurso de "circunstância"

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Comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas decorreram em Ponta Delgada, na Região Autónoma dos Açores LUSA/EDUARDO COSTA

A direita ouviu uma mensagem de “calma” e de “coerência”. À esquerda, o PCP pareceu-lhe ter ouvido um “discurso de circunstância” e o BE disse não aceitar "passos atrás" no cumprimento dos acordos com o Governo. Já o primeiro-ministro António Costa recusa ser o destinatário do recado de Marcelo Rebelo de Sousa, dado a poucos metros de distância, quando falava nas comemorações do 10 de Junho, em Ponta Delgada, nos Açores.

Num discurso em que exaltou os portugueses como “nobre povo que a tudo resistiu e resiste”, o Presidente da República falou do “abraço” que os portugueses dão a “migrantes ou refugiados” e da procura de “pontes, de diálogos e de entendimentos”. Depois de uma semana marcada pela divergência entre Governo e professores, deixou uma ideia de conciliação: “E porque preferimos a paciência nos acordos, mesmo que difíceis, à volúpia das rupturas mesmo se tentadoras. O multilateralismo realista do que o unilateralismo revivalista”.

António Costa recusou a colagem da frase ao momento actual de diferendo que se vive entre o Governo e os professores sobre a contagem de tempo de serviço e que se pode vir a colocar no próximo Orçamento do Estado. “Não vale a pena nem antecipar discussões que terão lugar no momento próprio, nem problemas que, para já, não existem. Nós temos vindo a executar pontualmente o Orçamento, a cumprir aquilo que acordámos com o povo português, com os nossos parceiros, com a União Europeia”, declarou à Lusa.

O primeiro-ministro considerou mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa “estava manifestamente a falar no que diz respeito aos acordos internacionais”. E aproveitou para desdramatizar as negociações sobre o próximo e último Orçamento do Estado da legislatura, argumentando com a “confiança, conhecimento e hábitos de trabalho” que os parceiros foram ganhando nos últimos anos.

Para o representante do secretário-geral do PCP nas comemorações, o dirigente açoriano Vítor Silva, o discurso do chefe de Estado soube a pouco. “Foi um discurso muito geral, sem abordar questões em concreto. Um discurso de circunstância”, afirmou, um dia depois de Jerónimo de Sousa ter afirmado ao Expresso que “o ambiente está toldado no Orçamento”.

Apesar de registar como positivo a escolha daquela região autónoma para a comemoração do dia de Portugal, de Camões e das Comunidades portuguesas, o dirigente comunista lamentou que o Presidente não se tenha referido “a questões mais concretas” que o PCP “gostaria” que fossem abordadas.

Em Lisboa, à margem de uma visita à Feira do Livro, a coordenadora do BE Catarina Martins disse lembrar-se que também se falou de "ruptura" com a "alternância do bloco central", quando em 2015 se fizeram acordos parlamentares com o Governo na expectactiva da "melhoria das condições de vida". A dirigente reafirmou a intenção de não defraudar essa expectativa e de não dar "passos atrás". 

À direita, o PSD, pela voz do líder parlamentar Fernando Negrão, disse ter ouvido uma mensagem de “calma, de tranquilidade, da necessidade de cumprir o que está acordado, da necessidade dos calendários serem respeitados”. Em declarações aos jornalistas em Ponta Delgada, após a cerimónia, Fernando Negrão remeteu a negociação do Orçamento do Estado para os partidos da esquerda. "Naturalmente nós escutaremos todos em conjunto na Assembleia da República a questão do Orçamento. Se ele será negociado pelo PS com os partidos à sua esquerda. Tem sido assim e é expectável que continue a ser assim. E, portanto, o que leio da mensagem do senhor Presidente da República é isso mesmo. A expectativa é essa, que seja negociado pelo PS com os partidos à sua esquerda", afirmou.

O CDS-PP também se dispensou de comentários detalhados sobre o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. O deputado e vice-presidente da bancada Telmo Correia considerou que o Presidente foi “coerente” com o que tem dito.  “É uma questão que a nós não  diz directamente respeito. Nós fazemos o nosso papel enquanto partido da oposição e partido crítico deste modelo de governação”, adiantou.

No seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa não se referiu a questões concretas de política nacional. O Presidente da República privilegiou a exaltação do povo português, citando o hino nacional. “Heróis, do mar, nobre povo, nação valente e imortal. Heróis do mar que rasgámos, Nobre povo que resistiu a tudo resistiu e resiste. Nação valente e imortal. Valente, porque com a coragem que só a independência no pensamento e acção conferem. Imortal, porque dando recebendo incluindo para sempre e para sempre unindo culturas e civilizações”, afirmou.

O chefe de Estado sublinhou ainda a riqueza na diversidade -  “um só Portugal, feito de muitos portugais que podem e devem ser diversos” – e elogiou ainda a autonomia regional, “construída laboriosamente ao longo dos séculos e consagrada na Constituição”. 

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