CDS queixa-se de Rui Rio, PSD diz que temas não têm dono

Partido liderado por Cristas reclama os louros de ter lançado a agenda da natalidade, Saúde e Justiça.

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Rui Rio
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Rui Rio LUSA/PAULO NOVAIS

Depois de uma coligação de quatro anos, o PSD e o CDS têm vindo a afastar-se no discurso à medida que caminham separados na oposição, sobretudo, na sequência da mudança de liderança dos sociais-democratas. Os centristas queixam-se de que o PSD tem andado a reboque da sua agenda em questões como a natalidade, a Saúde e a Justiça, mas os sociais-democratas argumentam que os temas não têm “dono”.

A natalidade foi o tema do primeiro pacote de propostas que a líder do CDS trouxe ao Parlamento, depois de ter sido eleita em congresso há dois anos. Na altura, o PSD também tinha trabalho feito sobre a matéria, até porque foi um dos temas sobre as quais o anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, pediu um estudo a Joaquim Azevedo, catedrático da Universidade Católica e membro do Conselho Nacional de Educação.

As questões da demografia e da natalidade constavam no programa com que a coligação PSD-CDS — Portugal à Frente se candidatou às legislativas de 2015. Esta semana, o PSD dedicou a este tema o primeiro documento produzido pelo novo conselho estratégico nacional, que foi  publicamente apresentado pelo líder do partido. Desde logo com a proposta da substituição do abono de família por um apoio a todas as grávidas e uma prestação (sem condição de recursos) para crianças até aos 18 anos. O princípio de atribuição de um apoio financeiro sem condição de recursos não agrada ao CDS, mas foi a escolha do tema que se tornou na gota de água que fez transbordar o copo.

O partido de Assunção Cristas alega que esta é mais uma área a que o PSD chegou depois de ter sido o CDS a inscrever o tema na agenda política. Aconteceu também com a Saúde, em que a líder do CDS se empenhou em inúmeras visitas desde o início do ano, dando visibilidade, dentro e fora do Parlamento, às queixas de falta de meios humanos e materiais no sector. Mas, reclamam os centristas, também aconteceu com a Justiça, área em que o CDS começou, em Fevereiro, por responder com propostas concretas, como pedira o Presidente da República, ao pacto para a Justiça acordado pelos operadores do sector e que foi apadrinhado pelo chefe de Estado.

Para dar força a essa agenda, Assunção Cristas pediu uma audiência a Marcelo Rebelo de Sousa. Três dias depois, o líder do PSD anunciou um conjunto de reuniões com agentes do sector da Justiça que se prolongariam por todo o mês de Junho. Apesar de o tema não ser novidade no discurso de Rio — como autarca no Porto, candidato à liderança do PSD e presidente do partido, o CDS regista o gesto do líder do PSD. Até agora, Rio tem-se reservado sobre propostas — prometeu-as para o final deste mês —, mas no Parlamento a bancada social--democrata marcou para a próxima semana uma interpelação ao Governo sobre o assunto.

Mal-estar e regozijo

No CDS há algum mal-estar sobre a situação, mas, ao mesmo tempo, algum regozijo. “Se o PSD vem atrás, é porque estamos a fazer bem”, observa um dirigente centrista.

Os centristas apontam ainda a defesa do interior, a que Assunção Cristas se dedicou desde os incêndios do ano passado, como outro tema em que o PSD andou a reboque. Rio só em Março deste ano se deslocou ao terreno, ao passo que a líder do CDS se comprometeu com visitas trimestrais às zonas afectadas pelos fogos. Na próxima semana, os sociais-democratas querem marcar a agenda com a realização de jornadas parlamentares sobre o interior.

O CDS reclama ainda o mérito de ter puxado pelo tema da carga fiscal no preço dos combustíveis, ao qual só depois o PSD chegou, a reboque. Em Janeiro deste ano, Pedro Mota Soares avançou com um projecto de lei que obrigava a clarificar quanto se paga em impostos em cada abastecimento, acusando o Governo de não cumprir a neutralidade fiscal da aplicação da sobretaxa de ISP — uma acusação que teve eco nas intervenções de Cristas nos debates quinzenais. Há três semanas, o PSD levou o assunto a plenário através da marcação de um agendamento potestativo (sessão exclusiva sobre o tema). O CDS voltou à carga e, três dias depois, anunciou um simulador online para perceber quanto se paga de impostos em cada factura de combustível.

Se o CDS reclama os louros de ser liderante na estratégia de oposição ao Governo, no PSD a perspectiva é outra. O líder parlamentar social-democrata, Fernando Negrão, considera que “é legítimo” que o PSD tenha posições sobre cada sector da sociedade e desvaloriza uma eventual colagem nos temas. “Ninguém é dono de tema nenhum”, afirmou ao PÚBLICO. Defendendo que todos os partidos têm direito à oposição, Fernando Negrão rejeita as críticas: “Não compreendo essas queixas.”

No Parlamento é certo que as relações entre as duas bancadas esfriaram nos últimos tempos, depois de uma cooperação muito estreita na estratégia de oposição durante o consulado de Luís Montenegro e também de Hugo Soares. Era raro assistir-se a uma concorrência de temas ou de iniciativa política. Mesmo quando ambos os partidos decidiam apostar nos temas sociais ao mesmo tempo, um incidia mais na Saúde e outro na Educação.

O líder da bancada social-democrata, eleito em Fevereiro deste ano, lembra que PSD e CDS tinham “o mesmo discurso” em resultado da coligação. “Criámos esse hábito”, afirmou. Com o fim da coligação em 2015, Negrão considera ser “natural que se estranhe que PSD e CDS divirjam em certas matérias e que haja queixas um do outro”. O líder da bancada social-democrata faz, no entanto, uma ressalva sobre as pontes entre PSD e CDS: “São os partidos que mais facilmente se podem juntar para uma coligação.”

Com Rui Rio a assumir uma ruptura com a anterior liderança de Passos Coelho, o CDS considera que tem sido Assunção Cristas a defensora mais visível do anterior Governo de coligação. O exemplo mais recente aconteceu no último debate quinzenal, quando a deputada advogou a negociação dos fundos comunitários sobre agricultura feita pelo anterior executivo. Apesar de ter sido a ministra responsável pela pasta, foi Assunção Cristas que saiu em defesa da coligação, lembram próximos da líder. Na estratégia de oposição ao Governo, os centristas argumentam que têm apontado o dedo à situação de bancarrota deixada pelo PS de Sócrates, enquanto o PSD de Rio não o faz. Rio focou-se antes nos casos judiciais que envolvem ex-governantes do PS, enquanto o CDS tentou evitar esse tipo de intervenção. Um exemplo de que nem só as réplicas marcam os caminhos paralelos da oposição.  

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