A real vergonha em Caxias

O Paço está hoje com as portas e as janelas emparedadas depois de ter sido invadido, vandalizado e roubado anos a fio.

Era uma vez no século XVIII uma Quinta Real de Caxias, edificada por obra e graça do Infante D. Francisco, filho d’El-Rei D. Pedro II, o Pacífico, e que se compunha, e ainda compõe, de um palácio (o chamado Paço Real de Caxias) e de um formoso jardim com cascata. Foi, contudo, com seu filho, D. Pedro de Portugal, que se terminaria a empreitada, e depois com a futura rainha Maria I que a Quinta teria mais “visibilidade mediática”, pelas suas curtas estadas e passeios prolongados que por lá fizeram. Seguiu-se-lhes D. João VI e um primeiro abandono em 1826 por alturas da morte do rei. D. Miguel resgatou o Paço para a vida poucos anos mais tarde, que passaria a residência de Verão da Imperatriz viúva do Duque de Bragança (D. Amélia de Leuchtenberg que teve casa no palácio das Janelas Verdes e D. Pedro, o ex-imperador do Brasil e ex-rei de Portugal que regressando à Europa para combater o irmão D. Miguel I, assumiu o título e Duque de Bragança) e daí para a sucessiva família real, até aos idos de D. Manuel II quando, em 1908, este doa a Quinta aos Ministérios da Guerra e da Justiça, dividindo-a em dois: Palácio e Jardim da Cascata para o Instituto de Altos Estudos Militares, e pomares e áreas adjacentes, junto à Cartuxa, ao Instituto Padre António Oliveira, para o futuro reformatório, entre ambos foi construído… um muro.

E tudo funcionaria mais ou menos até aos anos 50 do século passado, altura em que o abandono crónico haveria de começar: os altos estudos militares saem de Caxias para Pedrouços, e a degradação instala-se para ficar. Até hoje, dirá o leitor, e bem. E promete continuar.

Pelo meio apenas registaram-se algumas (?) obras de conservação no palácio em finais dos anos 60, seguidamente produziram-se “n” estudos XPTO e assinou-se mesmo protocolo em conformidade entre a Câmara Municipal de Oeiras (CMO) e o Ministério da Defesa Nacional (MDN), em 1986, pelo qual o jardim foi entregue à CMO para conservação, manutenção e abertura ao público, protocolo do qual, efectivamente, passados todos estes anos, apenas resta o último objectivo: o espaço está aberto ao público, e a este está reservado um belo espectáculo!

O Paço está hoje com as portas e as janelas emparedadas depois de ter sido invadido, vandalizado e roubado anos a fio. As pinturas decorativas, os azulejos do exterior e do interior (atribuídos à fábrica da Bica do Sapato), as boas madeiras, os detalhes patrimoniais que faziam deste Imóvel de Interesse Público (o edifício, tal como o jardim da cascata, aliás, é assim classificado desde 1953) ex-libris da Caxias de outros tempos é hoje um verdadeiro caco, a que nem o “aluguer de longa duração” do REVIVE – panaceia assim baptizada pelo Turismo de Portugal e pelo Ministério da Cultura e que visa "promover e agilizar os processos de rentabilização e preservação de património público que se encontra devoluto, tornando-o apto para afetação a uma atividade económica com finalidade turística, gerar riqueza e postos de trabalho, promover o reforço da atratividade de destinos regionais, a desconcentração da procura e o desenvolvimento de várias regiões do país." (ufa!) - parece valer, pois não se conhece até ao momento qualquer interessado real em dele fazer um equipamento hoteleiro ou turístico, mesmo apesar da inclusão no pacote do edifício recente também do MDN, maior, que poderá albergar muitos quartos. Em relação ao Paço Real há só uma certeza: mais valia ao Ministério da Defesa Nacional, que já deu provas de não saber o que fazer ao Paço, devolver à Fundação Casa de Bragança (até porque a sede desta fica ali mesmo ao lado na mesma Rua Dr. Jorge Rivotti…) o dito, pois não só se faria justiça devolvendo o seu a seu dono, como, estamos certos, logo haveria quem se empenhasse em conseguir encontrar forma de devolver dignidade ao Paço e ocupação em conformidade. Assim é desmazelo, incúria e incompetência a mais, no limite configura crime de lesa-património.

Já no que se refere ao fabuloso Jardim barroco claramente geométrico e operático, em que se misturam de forma soberba o elemento água e o edificado, a encenação e os décors, nada fazia prever que o estado de coisas presente fosse o que qualquer pessoa verifica se lá der um saltinho hoje mesmo: o interior do edifício da Cascata serve de latrina e urinol! Um pavor! Muros grafitados, lixo de festanças de cerveja. O jardim está uma lástima, não há um único lago com água nem repuxo a funcionar. As estátuas originais nunca voltaram do tal restauro anunciado há mais de 20 anos, porque as suas silhuetas e 7 réplicas (em resina) se mantêm, as que ainda existem, pelo menos. Ou seja, foram ingénuos os que aplaudiram o anúncio feito então pela CMO que dava conta de uma operação integral de restauro que se acreditou ser imparável. Não só tudo parou como não parece que volte a andar tão cedo.

Ou seja, é pura publicidade enganosa a que os pobres turistas engolem nos desdobráveis e nas brochuras que lhes impingem, e depois chegam lá e levam com um murro no estômago. Aliás, há dias era fácil perceber o quão chocados estavam uns estrangeiros que por lá andavam. Uma quinta tão bela e tão degradada. Não há direito.

Pior, ninguém tem vergonha.

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