O futuro do jornalismo daqui a 18 meses

“Resume-se a isto”, era o título. Dos sete pontos, partilho o último: “Primeiro, valores; segundo, estratégia; terceiro, audiências.” Que sejam estas as redacções do futuro.

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A primeira coisa que salta à vista é o nome do painel: “As redacções em 2020”. Estamos em 2018 e o congresso internacional organizado pela WAN-IFRA para discutir o futuro do jornalismo não se compromete sequer a especular num prazo de cinco anos — muito menos dez.

Parece estranho convidar alguém para assistir a um debate sobre “o futuro daqui a 18 meses”, mas foi isso que aconteceu e o título não teve efeitos inibidores. A sala do centro de congressos do Estoril, onde decorre o 70.º congresso de World News Media, estava cheia.

É fácil compreender porquê. Tudo muda a toda a hora e a corrida de cavalos pelos cliques está a deixar a “indústria” dos media zonza. Os jornais continuam desesperados à procura de um modelo de negócio e a tecnologia dá-nos ferramentas novas todas as semanas — hoje é o “drone journalism” e os robôs usados na moderação dos comentários dos leitores online, em 2020 será outra novidade qualquer. Além disso, a palavra de ordem é “experimentar” e há experiências que correm bem e outras que correm mal — e muitas têm corrido mal. A cereja é a cegueira perante as modas. Há anos que vestimos a camisola da “nova tendência” para a despir e vestir uma “nova tendência” no ano seguinte e pelo meio nem paramos para pensar.

A World Association of Newspapers and News Publishers (WAN-IFRA) e a Associação Portuguesa de Imprensa, que co-organizou o congresso, sabem tudo isto muito bem. Se tivessem escrito “As redacções em 2050” nenhum dos 700 participantes dos 59 países inscritos teria aparecido na sala. É mais honesto dizer que só conseguimos prever como vão ser as redacções dos jornais daqui a… um ano e meio.

A segunda coisa que saltou à vista foram as ideias escolhidas para discutir as redacções em 2020. Jessica Stahl, directora de Áudio no Washington Post, veio falar de podcasts como se nunca tivéssemos ouvido falar de rádio. “O áudio dá trabalho, se calhar dá mais trabalho do que pensam, é mesmo muito complicado.” Com paternalismo a mais e ironia a menos, Stahl falou das modas ignorando que são uma armadilha: “Há uns anos estávamos todos a falar de vídeos. Agora, estamos todos a falar de áudio. Quem sabe sobre o que vamos estar a falar daqui a uns anos…?” Explicou que esta é a “nova grande oportunidade”, mas também contou como “é difícil atrair audiência para o áudio”, que as pessoas acham “difícil reter informação áudio”, que os podcasts com receitas “matam a conversa humana” porque “cozinhar é giro porque estamos a conversar com alguém enquanto cozinhamos”.

A seguir, ouvimos Alexis Lloyd, do Axios, nos EUA, que veio propor a ideia de “brevidade inteligente” — a designer trabalha num site onde só se publicam “notícias breves”, maiores do que os tweets e mais pequenos do que as “notícias tradicionais”. Têm no máximo mil caracteres — que é um quarto deste texto. Quando o jornalista chega à 200.ª palavra, recebe um alerta (perigo! ninguém aguenta ler mais do que isto).

Alexandra Borchardt, directora de desenvolvimento estratégico no Instituto Reuters, salvou o debate. Veio falar do burnout das chefias dos jornais, esgotadas pela incessante busca de soluções para a crise e de como isso está a quebrar as relações de confiança nas redacções. Propôs que as redacções do futuro façam “menos e melhor” e contou que um dos editores da Reuters definiu como objectivo para 2018 fazer 15% menos do que fez em 2017. “Menos”, no caso, é menos quantidade de notícias, não menos trabalho. Menos textos, mais profundidade. Não fugiu ao problema da corrida de cavalos: “Não contem apenas os cliques. Contem os cliques em função dos vossos valores e da vossa estratégia. Não andem atrás dos vossos jornalistas com listas de cliques.” Há cada vez mais pessoas a fugir das notícias: 29% segundo uma sondagem. “Estamos a alimentar cínicos?” No fim, a ideia ficou claríssima: nas próximas décadas, a nossa tarefa é pormos a tecnologia a trabalhar para nós e não nós a trabalhar para a tecnologia. Eu que embirro com discursos em slides, adopto o último slide de Alexandra Borchardt. “Resume-se a isto”, era o título. Dos sete pontos, partilho o último: “Primeiro, valores; segundo, estratégia; terceiro, audiências.” Que sejam estas as redacções do futuro.

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