Ser cidadão do mundo

A liberdade consciente é o elemento fundamental da nova onda de cidadania global, que consiste em ser-se semente e não árvore. Sentir-se bem onde estiver e por onde for porque, se o mundo é uma casa, em nada comum, é, em tudo, comunitária

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hannah cauhepe/Unsplash

Num desses dias dei por mim a ler as frases nas paredes do metro de Lisboa. A que me fisgou, naquela ocasião, dizia assim: “Não sou ateniense, nem grego, sou um cidadão do mundo (Sócrates)." Aproveitei o tempo de espera até à chegada do comboio para reflectir.

Foram exactamente sete minutos que acabaram rendendo um ensinamento para o resto da vida. Qual a razão para Sócrates dizer que não era ateniense nem grego? Relatos históricos confirmam a sua naturalidade. Por que razão Sócrates se dizia cidadão do mundo se, à sua época, o meio de transporte disponível o teria levado, quando muito, apenas a algumas milhas de Atenas? Coloquei-me na posição do sujeito daquela frase: “Não sou capixaba, nem brasileiro, sou um cidadão do mundo.”

Interessante como a boa filosofia é imortal. Consegue eternizar-se nas palavras. Sócrates esteve ali, naquele dia, de alguma forma, do outro lado da plataforma. Sentado, dialogou comigo, um estudante qualquer de um país que sequer pensou um dia existir. O que Sócrates me disse, enquanto esperava pelo metro, dissipou até a minha angústia da saudade de casa. O filósofo foi ateniense, mas não, não era ateniense, pois, embora natural daquela cidade, não pertencia à mesma. Atenas não possuía Sócrates, ele tão-pouco possuía Atenas. Sócrates foi grego, mas não era grego. Não era da Grécia, nem a Grécia era dele.

Ser cidadão do mundo é não ter fronteiras dentro de si. É ser um, com o mundo, e o mundo estar um, em ti. É romper os obstáculos de línguas, culturas, raças e etnias. Para ser verdadeiramente cidadão do mundo, disse-me o filósofo, era preciso sentir-se em casa. Estar em casa não aqui, nem ali, mas em toda e qualquer parte do mundo.

A liberdade consciente é o elemento fundamental da nova onda de cidadania global, que consiste em ser-se semente e não árvore. Sentir-se bem onde estiver e por onde for porque, se o mundo é uma casa, em nada comum, é, em tudo, comunitária. Quando nascemos nesta casa, invariavelmente, imaginamo-nos a morar para sempre num dos seus quartos, e esquecemo-nos da existência de tantos outros a compor, no fim, o mesmo lar.

Em momento algum, Sócrates me orientou a esquecer a minha pátria. Pelo contrário, incentivou-me à reflexão de que para ser cidadão do mundo é preciso transpor as distâncias que separam os quartos. Não é omitir as origens, é sim enxergar as verdadeiras origens, pois elas são comuns à própria casa. Ser cidadão do mundo é ser feliz mesmo longe de tua cidade, é fazer do teu país, a felicidade. Depois daquele dia, o meu passaporte de vida já não distinguia mais o lugar onde nasci dos lugares por onde passei. Os carimbos que então coleccionava, agora tornavam-se um: cidadão do mundo.

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