“Isto é a necessidade da minha vida: ter onde dormir com os meus filhos”

Duas famílias foram despejadas esta sexta-feira de duas casas da câmara de Lisboa que ocuparam há cerca de um mês. Há anos a lutar por uma casa, criticam o processo e a demora da autarquia na atribuição de fogos municipais.

Carro, t-shirt, protesto
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
Casa, vizinhança
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
,
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
Polícia, Polícia de Trânsito
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
Carro, protesto
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
Carro, t-shirt
Fotogaleria
DANIEL ROCHA
,
Fotogaleria
DANIEL ROCHA

Susana e Ana Patrícia, os filhos e o marido desta, olham de braços cruzados para a porta do prédio, onde pertencem as casas que ocuparam ilegalmente há cerca de um mês. O aparato acalmou, quando as forças policiais (PSP e Polícia municipal) que circundavam a entrada do edifício começaram a recolher as grades e a desmobilizar. A manhã no bairro da Cruz Vermelha, no Lumiar, começara com sobressalto e com palavras de ordem: “Direito a casa já!”. 

Na semana passada, a câmara de Lisboa notificou-os de que teriam de abandonar as suas casas. Esta sexta, a Polícia Municipal entrou-lhes pela casa dentro, recolheu os seus pertences e fechou-lhes as portas. 

Susana Ferreira, de 42 anos, tem a bata que usa todos os dias no cabeleireiro onde trabalha vestida. Vive no bairro há duas décadas. Tem dois filhos menores e um com 23 anos, e não sabia nem como, nem onde passaria a noite de sexta-feira. Já viveu com a mãe, numa casa "sobrelotada", com os filhos a dormirem no mesmo quarto do que ela. Conseguiu uma casa no mercado do arrendamento, mas deixou de conseguir pagá-la e foi despejada.  

“Há 18 anos que peço uma [casa] à entidade que gere as casas da câmara de Lisboa”, diz a cabeleireira ao PÚBLICO. Nunca conseguiu. Por isso, a solução que encontrou foi ocupar uma casa da autarquia que diz que estava “abandonada”. 

A porta estava blindada, com alarme lá dentro. Mesmo assim arriscou porque diz que era a que se encontrava em melhores condições. “Algumas casas estão fechadas há anos, em estado miserável”, nota Susana. O tom e a rispidez da voz elevam-se quando repara que a câmara de Lisboa tem casas vazias e há pessoas na cidade sem um tecto onde se abrigar. 

Assim está também agora Ana Patrícia Campos, de 37 anos. Vive com o marido e com os dois  filhos menores. "Há 15 anos que eu estou à espera de uma casa", reclama. Os baixos rendimentos não lhe permitem arrendar casas no mercado. 

A alternativa que se lhes impõe é procurar apoio junto de familiares. No caso da família Campos, a alternativa seria irem para casa do sogro de Ana Patrícia, onde ficariam a morar 11 pessoas. E onde seis crianças teriam de dormir no mesmo quarto. E essas não são condições para os filhos crescerem, admitem. 

Entre cartazes e palavras de ordem, ambas reconhecem que a ocupação é ilegal, mas não querem saber. "Eu queria que toda a gente soubesse a situação em que as casas estão. Se a habitação é um direito de toda a gente, as casas têm de ser atribuídas", assinala Susana Ferreira. 

No local, o vereador da Educação e dos Direitos Sociais da câmara de Lisboa, Ricardo Robles, reconheceu que este tipo de ocupação ilegal acontece quando as pessoas estão em “situações-limite de desespero”. 

“O mercado de habitação está proibitivo, não existem rendas a preços que as pessoas possam comportar e portanto é preciso dar uma resposta”, nota, atirando que durante o último ano foram despejadas cerca de cinco famílias todos os dias.

Por um lado, vinca o vereador, o governo e a Assembleia da Republica “têm responsabilidade de garantir a mudança na lei dos despejos de Assunção Cristas e garantir que não são despejadas mais pessoas”. Por outro, continua, é preciso “investir fortemente no programa de habitação para quem tem dificuldades económicas”, reconhecendo os problemas que existem na atribuição de habitação pública no país. Aqui, a câmara de Lisboa tem responsabilidades, considera, remetendo mais explicações sobre o estado da habitação social em Lisboa para a vereadora que tem esse pelouro.

Na resposta às questões do PÚBLICO, o gabinete da vereadora Paula Marques salienta que as pessoas “foram devidamente notificadas e informadas da forma legal de acesso a uma habitação municipal”.

Segundo a autarquia, as famílias desalojadas foram ouvidas pela Gebalis (empresa que faz a gestão do arrendamento social em bairros municipais de Lisboa) durante a tarde de sexta-feira, tendo sido “activada a rede social e apresentadas às duas famílias as respostas sociais existentes, em função das realidades concretas dos agregados, de serem ou não autorizados em habitações municipais ou de terem ou não alternativas habitacionais”. 

As fracções ocupadas por estas famílias estão afectas ao processo de realojamento do bairro da Cruz Vermelha, diz o município, pelo que estas ocupações “são injustas para os cidadãos que se candidatam dentro do Regulamento de Acesso à Habitação Municipal e que aguardam atribuição de habitação pública”. Neste momento, a câmara de Lisboa está a apoiar cerca de 23 mil famílias, tanto em bairros municipais, como em património disperso pela cidade. 

"O que nos disseram é que podiam arranjar um quarto. Mas eu não vou viver com os meus filhos num quarto", atira Ana. Sem tecto, ao início da tarde, as duas famílias ainda não sabiam onde passariam a noite. “Isto é a necessidade da minha vida: ter onde dormir com os meus filhos. Hoje vão ter de me arranjar um sítio, senão eu vou-me amarrar à câmara de Lisboa”, desafia Susana. 

Sugerir correcção
Ler 7 comentários