Polícia tributária, ideia aceite por inspectores mas não consensual

Proposta do inspector da Operação Marquês parece estar fora dos planos do Governo. Representantes dos trabalhadores do fisco apoiam a ideia, a associação sindical dos funcionários de investigação da PJ discorda.

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Dentro da AT, há uma Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais Miguel Manso

A ideia de criar dentro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) uma nova unidade orgânica para a área judiciária, uma “Polícia Tributária”, é bem recebida pelos representantes dos funcionários do fisco, mas não é consensual e não passa, para já, de uma proposta lançada pelo inspector tributário Paulo Silva, com experiência em inquéritos criminais de especial complexidade, como o da Operação Marquês.

A ideia parece estar fora dos planos do Governo. Nunca foi referida junto das duas estruturas sindicais que dialogam com o executivo relativamente a questões laborais no fisco, o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) e a Associação Sindical dos Profissionais da Inspecção Tributária e Aduaneira (APIT). E apesar de ambas a considerarem positiva, nem todos a encaram como a única solução (ou “a” solução”) para o fisco compatibilizar as funções tradicionais com as preocupações da investigação criminal.

Questionado pelo PÚBLICO através do gabinete de imprensa de Mário Centeno, o Ministério das Finanças não se pronunciou sobre esta ideia, lançada por Paulo Silva no 3.º Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais e Aduaneiros, nem respondeu se admite fazer uma avaliação do actual modelo, em conjunto com os Ministérios da Justiça e Administração Interna.

A AT já é um Órgão de Polícia Criminal (OPC) quando coadjuva o Ministério Público em processos de investigação criminal, mas essa competência acontece apenas por delegação, em cascata. Os funcionários do fisco não são um OPC, apenas exercem essa função por delegação de competências, quando o Ministério Público delega esse papel na AT.

À luz da Lei de Organização da Investigação Criminal, só a PJ, a GNR e a PSP são órgãos de polícia criminal “de competência genérica”. Os restantes, como a AT, são OPC com “competência específica”. A “atribuição de competência reservada a um órgão de polícia criminal depende de previsão legal expressa”. E compete-lhes coadjuvar as autoridades judiciárias e “desenvolver as acções de prevenção e investigação da sua competência ou que lhes sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes”.

Para Nuno Barroso, presidente da APIT, sendo verdade que o fisco já é um OPC, no modelo actual estas funções de investigação tributária e investigação criminal fiscal “ainda são muito vistas (dentro e fora desta instituição) como secundárias ou de apoio aos ‘órgãos de polícia criminal por excelência’, uma espécie de ‘assistente de’, sem ‘dignidade’ [de] investigatória própria”.

O representante dos inspectores tributários vê com “bons olhos tudo o que possa contribuir” para dignificar as funções do fisco e diz que esse caminho terá de se traduzir “numa honesta e profunda reestruturação das carreiras”. Também o presidente do STI, Paulo Ralha, considera que uma “equipa especializada, com mais poderes, poderia eventualmente trazer alguns benefícios”, porque lhes garantiria “mais autonomia investigatória no plano nacional”. Mas, vinca, “tudo dependeria das condições e das ferramentas que se colocassem à disposição dos trabalhadores”.

Na esquadra da PSP

Se entre os representantes dos funcionários do fisco a medida é bem vista, não se passa o mesmo fora de portas. Ao PÚBLICO, o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da PJ, Ricardo Valadas, discorda da proposta de Paulo Silva, que considera uma “não questão”. Há muito a fazer no combate à corrupção, vinca, mas isso não passa pela “criação de uma nova polícia [dentro da AT]”, que considera redundante.

A Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) do fisco, diz Valadas, já pode instruir processos de inquérito criminais. E as “estruturas estatais precisam é de ser reforçadas com meios humanos e logísticos”, defende, citando o exemplo da PJ, onde, diz, nos últimos quatro anos não houve entrada de inspectores.

Nuno Barroso diz que há casos em que a inexistência de uma polícia tributária complica o trabalho de inspecção no terreno. Tantas são as situações que tem dificuldade em escolher só uma para exemplificar. Há um caso recente, noticiado em Maio pelo jornal O Mirante, em que um inspector do fisco foi detido pela PSP de Santarém durante uma operação de fiscalização, acabando por ir à esquadra. Neste caso, diz o presidente da APIT, o trabalho do fisco foi “prejudicado em resultado da actuação de um outro OPC, que não reconheceu no devido momento que estava perante um inspector tributário na posse da sua carteira profissional, e no exercício efectivo das suas funções”.

Paulo Ralha fala na necessidade de se pensar numa polícia tributária a nível europeu para combater a forma como se organizam as situações de evasão fiscal transnacional. E Barroso afirma ser preciso reforçar a legitimidade dos funcionários, dando-lhes meios há muito reclamados – “do mais básico como a aquisição de viaturas e telemóveis de serviço, ao mais sofisticado como meios informáticos adequados”.

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