O fim da História ao contrário

Por todo o lado, da Europa à América, o liberalismo ganhou má reputação e a democracia é arrastada na corrente.

Com a queda do muro de Berlim, Fukuyama profetizou que o modelo democrático – então hegemónico – seria a última forma de governo entre humanos. Hoje, no entanto, passamos por um momento final desse “fim da História”. Com o liberalismo em recessão e o regresso dos protecionistas e autocratas nos seus melhores fatos, não falta quem nos queira confrontar com o fim, não da História mas da Democracia. Se, antes, a democracia liberal se impôs contra as monarquias absolutistas – como expressão do interesse maior contra o interesse das elites, sendo berço do Estado de direito –, agora a história deu uma cambalhota. As ideias liberais já não são olhadas como expressão do maior número. São vistas como extensão do privilégio das elites. Por todo o lado, da Europa à América, o liberalismo ganhou má reputação e a democracia é arrastada na corrente.

Nas últimas décadas, nunca o “pior de todos os regimes com a exceção de todos os outros” foi tão pouco a “exceção de todos os outros”. E há dados objetivos que o dizem: segundo o European and World Values Surveys, no Reino Unido e nos EUA, que são berços da democracia liberal, só 30% da geração nascida na década de 80 considera essencial viver em democracia. Infelizmente, enquanto os avós não consideravam outro modo de governação, os netos dão-lhe um valor já mínimo. E essa tendência repete-se, de forma cíclica e catastrófica, em quase todos os países ocidentais. Paradoxalmente, os ideais liberais parecem ter sido mais populares na geração do comboio a vapor do que na geração do hyperloop, apresentando-se três razões para isso: (1) o preço do evangelismo político praticado por capitais arrogantes e excessivamente confiantes na bondade das suas propostas “democráticas”; (2) a segurança e estabilidade que as formas populistas de governo conseguem demonstrar – quando antes não imaginávamos que também conseguiriam entregar taxas de crescimento económico assinaláveis; e (3) o facto de a democracia ter deixado de ser avaliada pelos seus méritos filosóficos – liberdade, justiça, igualdade – para ter como condição do seu valor o crescimento económico, o emprego ou a segurança. Que quer isto dizer? Que, perigosamente, a democracia deixou de valer por si. Que passou a valer pelo que provém. E quanto a isso não sobrem dúvidas: acontece menos por demérito do sistema do que por demérito dos seus intérpretes. As lideranças do mundo ocidental não são só incapazes de apontar caminhos de reforma: nem sequer compreenderam em que mundo vivem. O ritmo de obsolescência e disrupção é brutal.

Basta contemplar o diagnóstico nacional. Voltámos a entrar no congelador. Depois de um período em que se observaram algumas reformas, ainda assim aquém daquilo que o país exigia e do que o executivo PSD-CDS se propunha fazer, o Governo PS, apoiado pela extrema-esquerda, imobilizou o país. Quando todo o mundo gira mais depressa, nós parámos. E além de termos parado, o que em si já é mau, parámos num ponto em que a realidade não nos é favorável, perpetuando modelos de iniquidade e injustiça social. Quem já está no elevador social não pára de subir; quem não está, que espere pelo próximo – se ele algum dia passar! E é mesmo o dito governo de esquerda que mais contribui para a desagregação da sociedade, promovendo desigualdades e a menor coesão social dos últimos 40 anos.

Ganhámos a Eurovisão, o Europeu de futebol e no futsal. Estamos na moda. E isso é ótimo. Mas bom, mesmo bom, era ter um Governo que não se esgotasse no autocomprazimento e na apologia do efémero.

Continuamos a divergir da Europa. Continuamos, 30 anos depois da integração europeia, a ser ultrapassados pelos membros mais recentes do clube. Continuamos a arrastar os pés. A ficar para trás. A perder competitividade. A perder talento. E completamente impreparados para os choques tecnológicos, económicos ou geopolíticos que o futuro nos trará. Espanha é quatro vezes maior do que Portugal, mas tem um PIB mais de seis vezes superior. A Irlanda tem um PIB per capita que triplica o nosso quando em 1974 eram similares. A Suécia tem o Ikea. A Dinamarca tem a Lego e a Maersk. A Holanda tem a Shell, a Unilever ou a Philips. E Portugal? Que tem além de continuar a sobreviver? É preciso dizê-lo: quem sobrevive não vive, não cria, não prospera. Não tem sonho.

Muitos políticos, em todos os partidos, estão satisfeitos com os resultados do nosso modelo social. Com uma mediocridade institucionalmente assumida e auto-replicável. Há quase uma arrogância instalada que o sistema será eterno. Servirá sempre os mesmos. E que os partidos serão os únicos intérpretes desta melodia democrática cada vez mais desafinada. Mas os partidos são estereótipos criados há mais de 100 anos, sem qualquer capacidade de se reinventarem e se adaptarem aos nossos dias. Esta incapacidade levará inevitavelmente ao ressurgimento de populismos e, em última instância, a regimes autoritários capazes de trazer ordem e previsibilidade.

Mas os portugueses merecem mais. Podem mais. E querem mais. A mediocridade não tem de ser um destino. E o fim da mediocridade começa com protagonistas à altura. Partidos renovados e abertos à sociedade e, sobretudo, líderes (ou candidatos a...) capazes de olhar para lá do muro, inspirar, apontar caminhos, mobilizar e apresentar um novo contrato social que reconcilie os cidadãos com a política, com o futuro de Portugal e com o futuro da Europa. Estamos preparados para encarar, de frente, esta realidade e para defender a democracia, custe o que custar? Ou vamos, com a nossa complacência, comprar uma falsa consciência tranquila? Quanto a mim, já escolhi o meu lado nesta luta. Este não é o mundo que pretendo deixar às futuras gerações. E não foi para isto que tantos lutaram em Portugal e na Europa para mostrar que, afinal, é possível crescer e prosperar colocando o homem no princípio e no fim de toda a iniciativa política. Eu assino este contrato!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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