Os arquivos dos 50 anos de carreira de José Mário Branco estão agora online

A iniciativa é do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa. O arquivo foi apresentado esta terça-feira e inclui mais de mil documentos relacionados com o percurso do músico e produtor. Novo disco é lançado esta quarta-feira, em Lisboa.

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José Mário Branco num concerto em 2008 Pedro Elias

O ano era 1991 e José Mário Branco estava com dificuldades em imprimir uma partitura no programa Professional Composer. Por isso, enviou um fax à Mark of the Unicorn (MOTU), a marca responsável pelo software, a pedir ajuda urgente para tal tarefa, já que tinha de distribuir pautas por músicos na semana seguinte. “Que Deus, e as comunicações, e as pessoas da MOTU me ajudem neste momento”, dizia ele.

Este fax, assim como mais de mil outros documentos (entre eles muitos outros faxes), estão disponíveis no arquivo José Mário Branco, uma iniciativa do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM) da Universidade Nova de Lisboa que surge na altura em que este nome maior da música portuguesa celebra 50 anos de carreira e 76 de vida. A apresentação foi esta terça-feira à tarde, na FCSH-UNL, com a presença do próprio cantor e compositor, mas o arquivo já estava online antes, mesmo que ainda com alguns percalços (por vezes o site não está acessível e ainda há problemas com os ficheiros que têm acentos, havendo até um aviso para os visitantes na página de entrada) que deverão estar ultrapassados na próxima semana, adianta ao PÚBLICO Manuel Pedro Ferreira, presidente e director executivo do CESEM.

Há partituras, letras, guiões, facturas, ficheiros áudio (apesar de os direitos de muita da música ainda estarem a ser negociados com a editora do artista, com vista a serem incluídos) e vídeos (poucos), entre muito outro material. Entre os documentos está, por exemplo, o recibo verde que passou para ser pago quando fez, em 2010, a música para A Morte do Palhaço, uma peça do Teatro O Bando. Da mesma peça há ainda um email com uma nota em jeito de aviso, dirigida à imprensa e ao público: "Não sou o responsável pelo fundo musical que, contra a minha opinião, o encenador decidiu utilizar na cena sobre o 25 de Abril".

Também consta do arquivo um telegrama que Eduardo Paes Mamede, colega do Grupo de Acção Cultural — Vozes na Luta, produtor e orquestrador, lhe enviou no início dos anos 1980, a pedir-lhe que entrasse em contacto com ele, já que havia estúdio marcado na semana seguinte para gravar Como se Fora seu Filho, o penúltimo álbum de José Afonso, e José Mário Branco ainda não tinha dado sinais de vida. Até a contabilidade para o espectáculo de 1997 no Centro Cultural de Belém, que ficou registado no disco Ao Vivo em 1997, está lá, bem como notas sobre a instrumentação de Rio Largo de Profundis, uma canção anterior de José Afonso: "violino western (2 vozes); 6 percussões em escalada descendente acabando c/ tum-tum-tum de bombo + palmas".

Ainda faltam alguns documentos, mas está disponível uma boa parte do arquivo, tudo pesquisável e a cobrir 50 anos de actividade artística (há documentos até anteriores, no caso de um folheto da escola Parnaso, no Porto). A equipa do CESEM não fez qualquer selecção dos materiais — digitalizou o que o músico guardara para garantir que tudo ficaria salvaguardado e para dar aos utilizadores mais por onde escolher. E vai continuar a fazê-lo.

Manuel Pedro Ferreira, que também é crítico do PÚBLICO, explica que o projecto nasceu "há três ou quatro anos", quando começou a ficar "incomodado com o facto de não haver nada a ser feito sobre a obra" de José Mário Branco e de "não haver sequer acessibilidade a edições da sua música". "Nessa altura pensei que não era tarde demais, era urgente fazer-se alguma coisa sobre isso", continua. E foi falar com o músico, com quem o CESEM mantém uma colaboração.

A ideia inicial era "criar as condições para haver uma edição da obra completa", mas "desde logo" percebeu que "uma primeira condição para uma boa edição era ter acesso aos materiais que documentam a criação e a disseminação dessa mesma obra". Foi aí que, partilha, Manuel Pedro Ferreira se deu conta de que o artista tinha "um arquivo pessoal, musical e profissional" que estava em "más condições de conservação, mas relativamente bem organizado e bastante rico", e decidiu propor-lhe "tratar dele, melhorar a organização, digitalizar e possibilitar o acesso dos investigadores aos materiais". E é isso que acontece, com algumas moradas e informações pessoais ocultadas.

O aparecimento deste arquivo acontece pouco depois de, na sexta-feira, ter sido editado o duplo CD Os Inéditos 1967-1999, feito de raridades da carreira de José Mário Branco, que terá apresentação pública esta quarta-feira, às 18h30, na FNAC Chiado, numa conversa entre o artista e Nuno Pacheco, jornalista do PÚBLICO e responsável pelo texto que abre o livrete do disco. Em Dezembro, e também a propósito dos 50 anos de carreira deste cantor e compositor, todo o seu catálogo tinha já sido reeditado.

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