Contrariando a entropia e o antropoceno

Uma mudança do paradigma energético e de desenvolvimento é transversal e tem de contar com novas políticas públicas.

Há discussões e controvérsia científica sobre se já entrámos numa nova idade geológica, o antropoceno, e até sobre o nome a dar-lhe, caso esse facto seja acreditado pelas instituições relevantes na matéria.

As alterações, todavia, já realizadas na biosfera pela nossa espécie não têm precedente e já existe uma fina camada radioactiva que cobre a Terra, resultante de milhares de ensaios nucleares e das centrais nucleares, sobretudo dos acidentes de Tchernobyl e Fukushima, camada essa que está identificada para o futuro. Há quem defenda que essa nova era começou há cerca de 10.000 anos com a domesticação de algumas plantas e animais e as primeiras interferências do homem na biodiversidade e natureza. Outros referem a incerta data da revolução industrial, a queima de fósseis e a utilização de agro-químicos, mas sem dúvida nos séculos XVIII ou XIX. Com as alterações climáticas, o aumento do dióxido de carbono atmosférico é um dado incontornável, também no século XIX; com a globalização da Terra e da economia temos um incremento da extinção de espécies, que prossegue. Alguns autores referem-se hoje à sexta extinção, dado o grande número de espécies que se vão extinguindo, só comparável às outras cinco grandes extinções por que a Terra passou.

Mas é, sem a mínima sombra de dúvida, em 1945, com as primeiras explosões atómicas no Novo México e depois em Hiroxima e Nagasáqui, que introduzimos no ambiente elementos incontornáveis. As radiações nucleares dessas explosões estarão presentes na Terra daqui a muitas, muitas centenas de milhares de anos. Sem hesitação, o que na história do Universo e mesmo na da Terra é o equivalente a milionésimos de segundo de diferença, sobre se é a revolução agrícola, industrial ou nuclear o elemento detonante, o certo é que, se não contrariarmos a 2.ª Lei da Termodinâmica que nos diz que toda a energia se degrada no quadro da sua utilização, a entropia que aumenta, como um sinal do aumento da desordem e da degradação deste organismo gigante, mas um grão de areia no universo, que é a Terra, será irreversível. A história dos que têm procurado contrariar essa entropia e conservar a energia (que toda ela se mantém, no quadro da sua degradação, como nos diz a 1.ª Lei da Termodinâmica) e a defesa deste novo conceito, recente mas que mergulha também no tempo e nos princípios éticos e filosóficos de há milhares de anos, das grandes religiões e de muito pensamento filosófico, é uma luta que se desenvolve em múltiplos planos.

Nas instituições, nas acções de milhares de indivíduos e associações, na palavra e nos empenhos e lutas não violentas que inúmeras comunidades ou tantas vezes grupos isolados levam a cabo para defender a sua terra, o seu espaço vital e o espaço público que procuramos ocupar e onde temos vindo a intervir. Os rios vivos onde se deve continuar a usufruir do bem comum que é a água a correr e a sua utilização compatível com a manutenção dos ecossistemas, e sobre o Tejo temos tido particular preocupação. O Tejo é um exemplo claro de degradação e de como estas decisões de conservação devem ser articuladas a nível internacional.

Preocupação que é também com a utilização de uma forma de aquecimento da água, a partir da fissão do átomo, que nos dois grupos de Almaraz e no de Trillo afecta, pode afectar, este recurso, mas também o ar e os solos onde se terão de gerir as toneladas, toneladas de resíduos desse aquecimento.

Aquecimento que não é, ao contrário do que muitas vezes os vendilhões do templo, mercadores do oligopólio energético nos dizem, um aliado na luta contra as alterações climáticas, mas antes pelo contrário. O nuclear é um aliado do modo de produção e gestão energética, de desperdício e poluição (irreversível) que tem na base a queima de combustíveis fósseis para fazer girar as turbinas que vão esmagando a Terra no seu espaço. Uma mudança do paradigma energético e de desenvolvimento é transversal e tem de contar com novas políticas públicas. Requer múltiplos actores políticos e sociais, mas também científicos e económicos. E um envolvimento transfronteiriço. A atitude do Governo espanhol de avançar com o cemitério nuclear em Almaraz e a mina de urânio de Retortillo sem consultar e ouvir a opinião do Governo português está nos antípodas desse empenho na procura de soluções comuns para a crise ambiental que vivemos.

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