É urgente completar o Sistema Complementar de Segurança Social

Quem quiser manter um nivel de vida na reforma equivalente ao do periodo de vida ativa terá de começar a poupar já. Mas será que o atual sistema prevê esta possibilidade?

A sustentabilidade do sistema de pensões tem sido um tema muito discutido nos últimos anos. Apesar das dificuldades de alguns em assumir a realidade, o certo é que no horizonte de 20 anos, e se nada for feito, estaremos confrontados com o seguinte dilema político: a) manutenção de benefícios adequados e desequilíbrio financeiro do sistema; b) redução significativa dos benefícios e equilíbrio financeiro do sistema; ou c) redução significativa dos benefícios e desequilíbrio financeiro do sistema.

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A sustentabilidade do sistema de pensões tem sido um tema muito discutido nos últimos anos. Apesar das dificuldades de alguns em assumir a realidade, o certo é que no horizonte de 20 anos, e se nada for feito, estaremos confrontados com o seguinte dilema político: a) manutenção de benefícios adequados e desequilíbrio financeiro do sistema; b) redução significativa dos benefícios e equilíbrio financeiro do sistema; ou c) redução significativa dos benefícios e desequilíbrio financeiro do sistema.

Na realidade, e de acordo com as previsões da Comissão Europeia (The 2015 Ageing Report), os trabalhadores portugueses terão de trabalhar cada vez mais (28,4 anos de período médio de contribuições em 2013 para os 33,1 anos previstos para 2040) para vir a receber, em média, uma pensão que representará uma fração cada vez menor do seu último salário (57,5% do último salário, em 2013, para os 36,1%, em 2040).

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Por outro lado, do ponto de vista financeiro, e mesmo com as reduções significativas nos benefícios, a sustentabilidade do sistema a médio prazo está condicionada, conforme aliás resulta dos estudos mais recentes (de acordo com o Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social – OE 2018, as despesas correntes do Sistema Previdencial ultrapassam as receitas correntes ainda antes de 2030). 

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Em face disto, uma conclusão se retira: quem quiser manter um nivel de vida na reforma equivalente ao do periodo de vida ativa terá de começar a poupar já.

Mas será que o atual Sistema de Segurança Social prevê esta possibilidade?

O Sistema de Segurança Social em Portugal está estruturado, de acordo com a Lei de Bases (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), em torno de três pilares: Sistema de Proteção Social de Cidadania; Sistema Previdencial; e Sistema Complementar.

O Sistema de Proteção Social de Cidadania tem por objetivo principal o de “garantir direitos básicos dos cidadãos”, enquanto o Sistema Previdencial visa garantir “prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido”. Por fim, o Sistema Complementar, que compreende um regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa coletiva e de iniciativa individual, são reconhecidos “como instrumentos significativos de proteção e de solidariedade social, concretizada na partilha das responsabilidades sociais”.

A coexistência destes três pilares e a sua necessária articulação está prevista na própria Lei de Bases. Na realidade, um dos principios centrais do sistema é o da complementaridade, que consiste na “articulação das várias formas de proteção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e privadas”. De igual forma, a Lei de Bases refere que o regime público de capitalização, no âmbito do Sistema Complementar, “visa a atribuição de prestações complementares das concedidas pelo Sistema Previdencial, tendo em vista o reforço da proteção social dos beneficiários”, admitindo-se, inclusivé, a possibilidade de combinação de esquemas de contribuição obrigatória para o Sistema Previdencial e para o Sistema Complementar (i.e., regime público de capitalização).

Saliente-se que o desenvolvimento do Sistema Complementar da Segurança Social, nos termos previstos na Lei de Bases (i.e., como complementar e não como substituto), permite obter alguns benefícios que importa salientar.

Em primeiro lugar, o Sistema Complementar melhora os níveis de proteção social num contexto em que as taxas de substituição das pensões do regime público de pensões tendem a cair para valores muito reduzidos.

Em segundo lugar, e pela sua natureza, o Sistema Complementar terá, por um lado, maior capacidade de se ajustar às necessidades efetivas de proteção social dos cidadãos, assegurando soluções adaptadas ao perfil de risco de cada individuo e, por outro, permite assegurar respostas em áreas onde o sistema público deixou de assegurar uma cobertura adequada.

Em terceiro lugar, permite estimular a poupança, elemento central para o desenvolvimento de qualquer sociedade moderna, uma vez que sem poupança não há investimento.

Por fim, importa referir que o desenvolvimento do Sistema Complementar reforça ainda a liberdade dos cidadãos no que respeita à entidade que gere os seus esquemas de proteção. Na realidade, existem soluções geridas quer por entidades públicas (i.e., certificados de reforma), entidades privadas (i.e., fundos de pensões e planos de poupança reforma) ou entidades da economia social (i.e., produtos mutualistas de poupança e proteção).

Apesar das óbvias vantagens que o Sistema Complementar materializa, o certo é que o seu desenvolvimento não tem sido facilitado. De facto, se o investimento em PPRs ganhou contornos de “hábito” da classe média nos idos anos 90, impulsionado por um quadro fiscal favorável, a “incerteza fiscal” dos últimos anos anulou os ganhos obtidos (um investidor com menos de 35 anos pode ter um benefício fiscal até ao limite de 400 euros, face aos 727,55 euros de 2004). De igual forma, a não regulamentação dos denominados regimes profissionais complementares ou dos “mecanismos de garantia dos regimes complementares”, previstos na própria Lei de Bases (artº 86), também dificulta o desenvolvimento deste pilar essencial do Sistema de Segurança Social.      

À medida que o tempo passa, a velocidade a que a realidade social e económica se desenrola distancia-se cada vez mais da velocidade a que o processo político e legislativo se desenvolve.

Esta evidência incontornável, que poderá conduzir a uma disrupção social severa num horizonte não muito longínquo, não é impedimento para que o Sistema Complementar se desenvolva.

Na realidade, a operacionalização do que já está previsto na Lei de Bases, alavancanda num regime fiscal favorável e numa “educação financeira” rigorosa (ajudada pelo novo simulador de pensões da segurança social), é condição, quase suficiente, para consolidar um instrumento essencial no combate à pobreza dos futuros reformados.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico