“Toda a gente achava que eu era louca por fazer biquínis”

Depois de começar a carreira como arquitecta paisagista, Lenny Niemeyer mudou de rumo e criou a marca epónima de fatos de banho. É hoje uma das mais conhecidas do Brasil, vendida em dezenas de mercados em todo o mundo.

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Miguel Manso

Hoje uma marca de moda de praia de luxo reconhecida a nível mundial, a Lenny Niemeyer nasceu na década de 1990 no Rio de Janeiro, em contraste com aquela que era a moda carioca na altura. Apostando em modelos menos expostos e em cores sóbrias, dava resposta aos gostos paulistas e, ao longo dos anos, conseguiu conquistar também um público internacional. Actualmente está presente em mais de 250 pontos de venda, inclusive online na Farfetch e Anthropologie.

A criadora que deu o nome à marca esteve em Lisboa, há uma semana, e visitou a boutique inaugurada há cerca de um ano na casa Pau-Brasil, no Príncipe Real. O apelido familiar veio do avô do seu marido, o conceituado arquitecto Oscar Niemeyer.

Já lá vão quase quatro décadas desde que Lenny Niemeyer, então recém-casada, trocou São Paulo pelo Rio de Janeiro – a cidade do marido –, mudando drasticamente o rumo da sua vida profissional. A criadora e empresária tinha iniciado a carreira como arquitecta paisagista e, chegando à nova cidade, começou tudo do zero. E o que, ao princípio, era uma “brincadeira" acabou por se tornar numa das marcas de moda mais fortes do país. 

PÚBLICO: Como é que tomou a decisão de mudar tão radicalmente de profissão?
Lenny Niemeyer: Estava numa cidade nova, numa cidade linda. Não tinha como continuar o meu trabalho no Rio de Janeiro, por dificuldade de montar um outro escritório lá e eu sempre fui movida por desafios. Precisava de me ocupar e gostava muito de trabalhar. Toda a gente achava que eu era louca por fazer biquínis, mas eu não queria competir com os cariocas, estava a fazer biquínis para o paulista. Fazia 30 biquínis por mês. Comprava um biquíni, desmanchava, refazia, mandava para as amigas. E assim foi dando certo.

Foi por causa da actividade do seu marido que mudaram de cidade?
Ele era carioca. Já era um médico no Rio de Janeiro. O pai dele já era neurocirurgião e era carioca. Não havia a menor hipótese de ele se mudar para São Paulo.

Fazer biquínis começou como um hobbie, como foi ganhando escala?
Comecei por brincadeira, para ocupar o tempo e vender às amigas. Depois começaram a pedir mais coisas. Mas houve uma inundação que me marcou muito: estava a fazer isto há uns três ou quatro anos, tudo o que tinha estava na garagem da minha casa que inundou e perdi tudo. Então, o meu marido disse-me: “Lenny ou desistes ou profissionalizas-te.”

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Foi um momento decisivo...
Exactamente. Para mim foi um desafio. Sou capricorniana teimosa. Apareceu um espaço e decidi arriscar. Mas para pagar o espaço tinha de vender mais e comecei a criar biquínis para outras marcas.

Na altura, já tinha visão daquilo que a marca poderia ser?
Foi intuitivo. Sabia que os biquínis eram muito pequenos no Rio, feitos para as cariocas. Mas eu como paulista sabia que não encontrava biquínis para mim, nem para as minhas amigas. Ninguém estava a fazê-los. Se não tem, alguém tem de fazer – nem que seja para consumo próprio.

Teve alguém na parte de negócio?
Não. Eu fazia a parte criativa, tinha de ser gestora, administradora... Foi uma escola, uma faculdade e uma pós-graduação, aprendendo e sofrendo.

Quando é que sente que começou a ser uma coisa séria?
Foi no momento em que comecei a fabricar para várias marcas. Depois houve um plano de governo [o Plano Collor] que congelou as contas bancárias e as lojas para as quais vendia cancelaram as encomendas. Durou meses. Eu tinha de pagar ao meu fornecedor que me vendia a lycra, só que dependia de receber do lojista ao qual vendia. O que é que fiz? Montei a minha primeira loja, numa altura em que havia muita gente a fechar lojas. Foi uma crise muito séria no país.

Como é o seu processo criativo e como evoluiu?
A par da criatividade veio a tecnologia e começámos a ter muitos recursos para criar coisas novas. E uma coisa puxa a outra quando temos a tecnologia a nosso favor. Por exemplo, a estamparia digital permite fazer qualquer coisa, sem ter o problema de limitação de cores. [Por outro lado,] começámos a ter várias texturas de lycra que permitem fazer drapeados e outras coisas diferentes. Entrámos num mundo ilimitado onde tudo era possível.

O que caracteriza a sua marca?
Os florais, os drapeados, a estamparia digital, a modelagem – tudo é feito no computador.

A loja que tem no espaço Pau-Brasil já fez um ano. Tem corrido bem?
Super bem, estou muito feliz. Acho que [a Casa Pau-Brasil] resume muito da cultura brasileira. Reúne várias marcas brasileiras. 

Pretende abrir mais lojas em Portugal?
Sempre. Acho que é de experimentar, acho que não dá para parar por aqui. 

Como é o seu dia-a-dia, no Rio de Janeiro?
Passo o dia a trabalhar. Sempre fui assim. Acordo, faço algum tipo de desporto – pilates ou esquio na lagoa – e depois trabalho até ao final do dia. Dificilmente saio para almoçar. E volto para casa. Aí desligo totalmente do trabalho, gosto de ficar com o meu marido, a ver televisão.

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Quando viaja para lazer, costuma escolher destinos com praia?
Vou sempre atrás do sol. Gosto de ir para Míconos, gosto de ir para a Bahia, Saint-Tropez, Comporta.

Alguma praia preferida?
Não tenho uma. Várias. Adoro as praias da Grécia.

Algum dos dois filhos está interessado em manter a marca na família?
Tenho a minha filha, quem sabe... Está com 30 e poucos anos, pode ser que dê continuidade. Ela é fotógrafa e mora em Barcelona. Eu trabalhei em arquitectura por acaso. Mas quando casei e conheci o Oscar Niemeyer, eu já tinha largado a arquitectura e já estava a começar com os biquínis.

Lembra-se de Niemeyer ter desenhado alguma peça de roupa?
Não. Mas inspirou muita gente que fazia moda. Eu própria fiz uma colecção inspirada na sua arquitectura. 

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