"Queremos eliminar a segmentação de mercado em função das fronteiras"

Em entrevista, Sofia Colares Alves, chefe da Representação Portuguesa da Comissão Europeia, revela que existência de um mercado digital único na União Europeia ainda só vai nos 40% em termos de implementação por parte dos Estados Membros.

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Rui Gaudêncio

Qual é o principal objectivo desta plataforma de resolução de litígios?

A Comissão quer impulsionar o comércio electrónico e esta plataforma é uma ferramenta importante. Isto porque a confiança é fundamental na relação entre consumidor e fornecedor. Qualquer pessoa que tenha uma má experiencia em linha [online] passa a ter muitas resistências. O objectivo da Comissão é fazer com haja um verdadeiro mercado digital único, por isso lançamos um pacote de medidas tão relevante em 2016. Esta plataforma é apenas um dos instrumentos.

O objectivo era criar o mercado digital único até ao final da legislatura. Como está a implementação dessas medidas?

Estamos a 40% de adopção pelos co-legisladores, isto é pelo Parlamento e pelo Conselho. Mas há um compromisso de dar prioridade ao mercado único digital até termos eleições para o Parlamento Europeu. Isso passa por muitas coisas, por harmonizar matérias em termos propriedade intelectual, por exemplo, para que não haja diferenças de conteúdos por país. Quando subscrevemos uma plataforma de música ou de filmes online, é expectável que o catálogo não seja diferente de país para país. E a ser diferente, um consumidor que tenha uma assinatura em Portugal, pode aceder à plataforma noutros países. A possibilidade de um site de venda em linha bloquear o acesso a consumidores que não sejam desse país também não deve existir. O geoblocking [bloqueio por países] ainda acontece muito no mundo, mas não devia acontecer na União Europeia. Nós queremos eliminar toda a segmentação que alguns comerciantes fazem por mercados em função das fronteiras. Seja segmentação por preço, ou de qualquer tipo.

Esta plataforma pode ser uma solução para esses problemas?

Esta plataforma é uma alternativa, não é uma solução milagrosa. Todos gostaríamos de a ter, mas a verdade é que quando há um litígio há um diferendo de opinião, entre duas partes. Esta plataforma é uma construção que tem de ser feita. As empresas têm de aderir, os consumidores têm de aderir. Cabe-nos a nós, depois, construir e reforçar os direitos dos consumidores, fazer a supervisão da implementação desses direitos e ter autoridades de protecção dos consumidores que tenham a capacidade de fazer esse trabalho, resolver conflitos, aplicar sanções.

Os direitos dos consumidores são claros quando a compra é electrónica?

No essencial, os direitos do consumidor electrónico são os mesmos do consumidor do mercado físico. Os consumidores têm hoje em dia à disposição ferramentas que lhe dão um poder muito grande, se se pensar na facilidade com que podem divulgar as suas más experiências e afectar a reputação de um comerciante. As pessoas podem-se queixar, comunicar ao mundo que não confiam neste site ou naquele, mas não recuperam dinheiro nem resolvem o seu litígio.  Esta plataforma permite às partes solucionar o litígio, fora das vias judiciais que são um pouco mais pesadas e lentas, em qualquer Estado membro.

A utilização desta plataforma foi residual nestes primeiros dois anos. Esta campanha traz algum objectivo. Querem chegar a alguma métrica de utilização?

Nós partimos do princípio que é do interesse das empresas expandir o seu comércio em linha, aumentar o seu mercado alvo, passar dos dez milhões de português para os 500 milhões de europeus. E partimos do princípio que querem fazê-lo respeitando os direitos dos consumidores, tratando-os bem. Haverá sempre os free riders os que se aproveitam da falta de conhecimento de alguns consumidores para cometer abusos. Mas não podemos deixar dessa minoria mine a confiança dos consumidores e o crescimento do comércio online. Sublinho, também, que isto tem duas vias. Tanto se pode queixar o consumidor, como se pode queixar o comerciante. O importante é que ambos resolvam os seus conflitos. Queremos sobretudo que as pessoas saibam que existe esta ferramenta, estes organismos e autoridades como os centros de arbitragem que existem em todo o país e que podem chegar a uma solução para o litígio de forma muito mais rápida. 

Pode dar algum exemplo de resolução de conflito que tenha sido conseguido dentro da plataforma?

Posso dar, por exemplo, conta de uma reclamação que eu própria pretendo apresentar. Comprei em linha um bilhete há já mais de três meses para um concerto que se vai realizar em Londres. O débito foi automático, mas ao contrário do que estou habituada quando faço estas compras em Portugal o bilhete não me foi enviado de imediato, pela via electrónica. Já reclamei directamente ao vendedor, e respondeu que só pode emitir o bilhete quando ele for libertado pelo promotor do espectáculo. Eu preciso de saber se há concerto ou não para comprar a passagem aérea. Ninguém me responde. Vou reclamar.

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