Governo ainda não fez trabalho técnico do OE19 à esquerda - e isso é mau, avisa Louçã

Antigo líder do BE diz que Costa está a cometer um erro ao agir como se os acordos à esquerda fossem uma “etapa passada” e ao pensar unicamente na maioria absoluta do PS.

Foto
rui gaudêncio

O próximo ano é de eleições e por isso o Orçamento do Estado será com certeza de reforço da trajectória de recuperação de rendimentos como a esquerda reclama. Apesar disso, seria “importantíssimo” que neste momento o Governo estivesse já a fazer o trabalho técnico com a esquerda que permite tomar opções, tal como se começou a trabalhar no ano passado, a partir de Março, para desenhar, por exemplo, a solução para os escalões do IRS, defende Francisco Louçã.

O antigo líder do Bloco considera “preocupante” que o PS esteja neste momento “alheio” à necessidade de pensar já no OE2019. Lembra que, para traçar opções, cenários e soluções que permitissem o equilíbrio fiscal e orçamental, a bloquista Mariana Mortágua e o então secretário de Estado Fernando Rocha Andrade começaram o trabalho preparatório em Março. Para já, nada disso está a acontecer entre Governo, PS, BE, PCP e PEV.

O que não deixa de levantar dúvidas sobre o futuro do entendimento à esquerda além-2019, sobretudo depois de António Costa, no congresso do passado fim-de-semana, não ter tido uma única palavra nos seus discursos para os partidos com quem assinou posições políticas conjuntas.

Na sexta-feira à noite, na SIC Notícias, Francisco Louçã disse que Costa teve esta atitude porque para ele os acordos são “uma etapa passada”. E acusou ainda Augusto Santos Silva – de quem recordou ter sido o “porta-voz do Governo Sócrates que dizia que gostava muito de malhar na esquerda” – de ter tido a “função”, antes do congresso, de provocar, “com uma elegância florentina”, os partidos de esquerda para que “cometessem erros”.

Ao PÚBLICO, o antigo líder bloquista vinca que Costa “escolheu bem os sinais que quis dar no congresso” e não falar na esquerda foi um deles. Porque tem os olhos numa maioria absoluta do PS. “O que enfunou as velas do PS na direcção de uma maioria absoluta foi a fragilidade de Rui Rio”, diz Louçã, acrescentando que Costa vê nela a oportunidade para disputar votos ao centro. “Julgo que é uma visão errada: mesmo nas sondagens que não dão maioria absoluta ao PS, o PSD está muito baixo, e eu não vejo como o PS pode apostar numa redução do PSD de 27 para 22%, mesmo que o CDS continuasse muito marginal”, contabiliza.

Este cenário da maioria absoluta “é uma fantasia política que está a levar o PS a uma posição de alguma confrontação com os seus parceiros [à esquerda] que é um erro”, avisa Francisco Louçã. Não que esteja em risco a aprovação do OE2019. Mas há temas que estão a atear a chama. Como as questões laborais, uma área extremamente sensível à esquerda e que promete ter nova batalha no Parlamento dentro de um mês com a discussão e votação das alterações ao Código do Trabalho propostas pelo Governo e pela esquerda.

Mais do que uma aproximação ao PSD – apesar dos acordos sobre os fundos e descentralização assinados por Costa e Rio -, Louçã realça que “é mais importante a opção política da aproximação socialista a António Saraiva”, o presidente da CIP, apelidado de “patrão dos patrões”. Isso, sim, é uma provocação à esquerda.

Lembra que o Bloco e o Governo tiveram um grupo de trabalho formal para preparar o Plano Nacional contra a Precariedade, que houve negociações à esquerda nestes dois anos e meio sobre legislação laboral, que é uma “questão de enorme significado e sensibilidade política”. E, depois disto tudo, “o Governo nem apresentou antes aos seus parceiros o que foi propor em concertação social. Preferiu uma negociação para uma estratégia de aliança social com o patronato e não o debate político na maioria orçamental.” Este é “um sinal de que o PS aposta tudo numa maioria absoluta”.

Essa seria a forma de contornar as dificuldades que Costa sabe que terá à esquerda por os acordos estarem esgotados. A filosofia que lhes serviu de base – derrotar o executivo de Passos – está ultrapassada, muitos compromissos foram cumpridos, e os temas que ficaram por acordar são aqueles em que dificilmente – senão mesmo nunca – o Governo que sair das legislativas de 2019 conseguirá negociar com BE e PCP. No plano laboral é difícil que o PS venha a reverter um acordo agora assinado com os patrões, e os dossiers europeus estão cada vez mais complicados – com a subida das taxas de juro, a pressão sobre a dívida e a fragilização do panorama político em Espanha, Itália e França -, remata Louçã.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários