Pedro Sánchez tomou posse, sem Bíblia nem crucifixo

Menos de 24h depois aprovada a moção de censura contra Mariano Rajoy, o líder do PSOE jurou perante o rei.

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Sánchez no juramento da tomada de posse LUSA/Fernando Alvarado
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Sánchez cumprimenta Ana Pastor, ao lado do rei, do presidente do Senado e do presidente do Supremo EPA/Emilio Naranjo
Alejandro Alvargonzález, Felipe VI de Espanha, Palácio de Zarzuela, José Javier Esparza, Letizia de Espanha
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Pedro Sánchez, Felipe VI e Mariano Rajoy EPA/Emilio Naranjo
Román Escolano, Espanha
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EPA/Emilio Naranjo

Sem Bíblia nem crucifixo, a mesma fórmula e a promessa de cumprir a Constituição. O socialista Pedro Sánchez já era o protagonista da transição de poder mais rápida da história democrática espanhola. Acaba de se tornar no primeiro presidente de Governo a tomar posse sem a presença dos símbolos católicos que até 2014 eram obrigatórios na cerimónia que neste sábado decorreu, como habitualmente, no Palácio Real da Zarzuela.

“Prometo pela minha consciência e honra cumprir fielmente as obrigações do cargo de presidente do Governo com lealdade ao rei, e cumprir e fazer cumprir a Constituição como normal fundamental do Estado, assim como manter o segredo das deliberações do Conselho de Ministros”, afirmou Sánchez, lendo o artigo 62 da Lei Fundamental, aberta em cima de uma mesa, e sob o olhar atento do rei Felipe VI.

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Rajoy, à direita, cumprimenta o sucessor, Sánchez, sob olhar do rei Felipe VI Fernando Alvarado/Pool via REUTERS

Depois dos apertos de mão e felicitações do monarca, a primeira saudação que o novo primeiro-ministro recebeu veio daquele que na sexta-feira derrotou com a primeira moção de censura bem-sucedida em Espanha, Mariano Rajoy.”Muita sorte”, disse a Sánchez o dirigente conservador, que governava o país desde Novembro de 2011 em nome do PP.

Sánchez já é oficialmente o sétimo primeiro-ministro da democracia espanhola. Depois da votação de sexta-feira e da comunicação do resultado ao rei, por parte da presidente do Congresso, Ana Pastor, o decreto real com a nomeação foi publicado pelas 7h30 no Boletim Oficial do Estado.

Para breve espera-se o anúncio dos novos ministros que vão acompanhar Sánchez. Serão todos socialistas, como garantiu ainda na sexta-feira, agradecendo mas recusando a oferta do Podemos, de Pablo Iglesias, de integrar o executivo e assim fortalecer o apoio parlamentar.

Sánchez tem uma bancada de 84 deputados (o PP tem 137), tendo derrotado Rajoy porque contou com o apoio de todos os partidos à excepção dos populares e do Cidadãos.

Gürtel e Barcenas

O líder do PSOE registou a moção de censura uma semana antes de esta ser debatida e votada. Dias antes, era conhecida a sentença do caso da rede Gürtel, um texto em que o próprio PP é considerado “agente da corrupção” no contexto de “um autêntico sistema de roubo do erário público”.

A investigação, dividida em dez processos, visava uma rede de corrupção política ligada aos populares que actuou principalmente nas comunidades de Madrid e Valência a partir dos anos 90. Os acusados – dirigentes políticos e empresários – eram suspeitos de branqueamento de capitais, subornos e tráfico de influências. Na prática, as empresas de Francisco Correa (correa em alemão é gürtel) organizavam eventos políticos do partido e candidatavam-se a concursos públicos com orçamentos inflacionados – o dinheiro a mais era usado para subornar quem podia adjudicar a proposta.

Mas um dos dez processos do caso tinha como figura central o ex-tesoureiro do PP, Luis Bárcenas, nomeado para o cargo pelo próprio Rajoy, quando este era líder da oposição. Bárcenas admitiu gerir um "saco azul" com dinheiro oriundo da rede de corrupção e explicou como o partido foi financiado de forma ilegal, ao longo de mais de 20 anos, descrevendo pagamentos directos aos principais dirigentes, incluído Rajoy, que sempre negou as acusações.

“A corrupção não pode ser banalidade em democracia”, disse Sánchez. Na verdade, a corrupção tornara-se quase banal, ao ponto de ter deixado de ocupar um espaço central em termos mediáticos, abafada também nos últimos meses pelo processo independentista catalão.

O fim do 155

Para além da economia e de uma reforma educativa, a Catalunha será obrigatoriamente uma das prioridades do novo Governo socialista. Por coincidência ou ironia, meia hora depois da tomada de posse de Sánchez, começava por fim a cerimónia de posse dos conselheiros [ministros] do novo presidente da Generalitat, Quim Torras, em Barcelona.

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A tomada de posse dos novos membros do governo catalão acontece com minutos de diferença do juramento do novo chefe do Governo de Madrid EPA/Toni Albir

O que isto significa é que o primeiro dia de Sánchez como primeiro-ministro é o mesmo em que deixa de vigorar o artigo 155 da Constituição, aplicado por Rajoy (com o apoio de Sánchez e do Cidadãos, de Albert Rivera) no final de Outubro de 2017, para dissolver as instituições catalãs, assumir a governação da região autonómica e marcar novas eleições. Isto depois da realização do referendo (ilegal) sobre a independência e da declaração de soberania, feita semanas depois, pelo presidente cessado Carles Puigdemont. 

Antes da tomada de posse, foram lidas cartas dos quatro ex-conselheiros que Torra nomeou mas Rajoy vetou: estão presos ou em fuga, como a maior parte do ex-governo catalão, acusados de “rebelião, sedição e desvio de fundos” na organização da consulta e preparação das bases de uma Catalunha independente.

Esta crise paralisou praticamente o Governo central e Sánchez não pode esperar muito para interpelar Torra e iniciar um diálogo quase impossível de levar a bom termo. O socialista defende uma reforma da Constituição no caminho de uma Espanha federal, os independentistas, que repetiram a maioria nas eleições de Dezembro, não aceitam menos do que um referendo com várias opções, incluindo a da independência.

Governo do PSOE

É por tudo isto que se dá como certo que o novo executivo de Madrid terá um membro de peso do Partido Socialista da Catalunha. Entre as apostas dos jornais espanhóis, também está bem posicionada para ter lugar no executivo Carmen Calvo, ex-ministra da Cultura (com José Luis Rodriguez Zapatero) e actual secretária da Igualdade do PSOE. Conta com a máxima confiança de Sánchez e liderou as negociações com o Governo de Rajoy para aplicar o artigo 155.

Para além de Calvo, outro nome repetido na imprensa é o de José Luis Ábalos, secretário da Organização, encarregado por Sánchez de preparar a moção de censura que agora leva o PSOE à Moncloa. Foi com Ábalos que o novo primeiro-ministro se reuniu na sexta-feira, logo depois da votação. Um encontro de trabalho em que estiveram ainda a vice-secretária geral, Adriana Lastra, a porta-voz do partido no Congresso, Margarita Robles, e Juan Manuel Serrano, chefe de gabinete de Sánchez.

O chefe de Governo prometeu um executivo paritário, o que até hoje só Zapatero fez, com oito ministras em 16, quando chegou ao poder, em 2004.

Sánchez seguiu da Zarzuela para a Moncloa, a residência oficial do primeiro-ministro que Rajoy deverá abandonar até ao final do dia de domingo. Os ministros de Rajoy ficarão em funções até que o socialista nomeie outros, previsivelmente no início da semana.

A passagem de poder será muito rápida – o site da Moncloa já mudou a entrada de “Governo” para “Governo em funções”, noticiando a nomeação de Sánchez e publicando um vídeo de 46 segundos com as primeiras declarações dele aos jornalistas.

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