A crise da UE é a das democracias nacionais

O mundo global, interdependente, pode ter tornado os líderes impotentes para corresponder à crescente expectativa dos cidadãos. Sanchéz, Di Maio e Salvini dir-nos-ão em breve.

Primeiro Espanha: Mariano Rajoy caiu ontem, ao fim de sete anos a resistir na Moncloa. Mas passou da validade: em cima de anos financeiramente difíceis e de uma crise na Catalunha, caiu-lhe em cima uma sentença por corrupção no seu PP que lhe tirou o último argumento à sua sobrevivência — a moral para governar. 

Mas se Rajoy sai sozinho e sem glória, Pedro Sánchez entra num novelo de que dificilmente sairá: sozinho, porque lhe resta governar com uma bancada de 84 deputados, a menor bancada de sempre numa Espanha mais dividida do que nunca; sem programa, porque já não tinha um e não tem maioria para um novo; com um orçamento que criticou, porque essa foi a concessão que o levou ao poder, feita aos nacionalistas bascos, contra o Podemos e contra todas as suas convicções.

Espanha terá, a partir de hoje, um governo de mãos atadas. Na economia, nas autonomias, no Parlamento. O regime devia ter ido para eleições e preferiu sobreviver na agonia, durante mais uns meses. Se o que esteve para trás foi instabilidade, adivinhe o que se segue.

Em Itália, os mercados acalmaram com o recuo do Presidente. Mas o anúncio de um governo que junta extrema-direita e extrema-esquerda é o resultado de uma degeneração e o início de uma loucura. Com as pastas da segurança interna entregues à Liga, com a economia entregue aos proteccionistas e eurocépticos, com um programa cheio de promessas de distribuição e confronto, a paz dos investidores é, na verdade, apenas um tempo contado. Caberá agora ao Governo mais perigoso desde o fascismo recuperar um país que é grande de mais para cair e pequeno de mais para se salvar sozinho.

Tudo isto, em Espanha e Itália, apanha a União Europeia num momento sensível, o da saída do Reino Unido, o da negociação do próximo orçamento europeu, o da alegada “reforma da zona euro”. Nas próximas semanas, vamos ouvir falar de novo da fragilidade da Europa e do seu projecto. Na verdade, o que está realmente frágil são as democracias nacionais. 

Há duas semanas, a revista The Atlantic ensaiou uma explicação para o caos da presidência americana — ou até para a frustração dos cidadãos que pôs um Presidente como Trump à frente da América: talvez a Casa Branca se tenha, simplesmente, tornado grande de mais para gerir. Dito de outra forma: o mundo global, interdependente, pode ter tornado os líderes impotentes para corresponder à crescente expectativa dos cidadãos. Na verdade, a tese podia aplicar-se à UE e a cada um dos nossos países. Pedro Sanchéz, Luigi di Maio e Matteo Salvini dir-nos-ão se é assim muito em breve.

 

david.dinis@publico.pt

 

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