São Paulo, coisas boas acontecem aqui

Há um centro feio que é bonito e milhões de pessoas que vivem entre o luxo e o lixo. Há uma avenida — prazer em conhecê-la —, um Minhocão, um Impostômetro, literatura de cordel, jazz, sebos e brechós, “gozações” e outros quebra-cabeças. É preciso garimpar em São Paulo para descobrir São Paulo, uma cidade excessiva onde a história se escreve no betão — e sem pedir licença.

Carro
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"Rolê" com Marcelo e Alexandre na Avenida Paulista Luís Octávio Costa
Sobremesa, Brunch, Doçura
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Jantar no restaurante Casa do Porco Luís Octávio Costa
Área urbana, lazer
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Escadaria na Vila Madalena Luís Octávio Costa
Exposição de arte, M - Museum Leuven
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Detalhe da exposição no MASP Luís Octávio Costa
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Catedral da Sé Luís Octávio Costa
Arte
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Detalhe de uma expo na Pinacoteca Luís Octávio Costa

Bueno montou uma pequena banca, uma mesinha e um caixote, onde nesse sábado decidiu exibir e vender as suas obras. Ao seu lado, colado num muro do Beco do Batman, Vila Madalena (criatividade fácil, embraiagem difícil), está um “lambe-lambe” gigante com a sua assinatura: de frente fita-nos o Batman de Adam West; abraçado a ele, e de costas para nós, está Pelé. A foto original antes da montagem e da colagem foi tirada a 1 de Outubro de 1977, no dia em que o Rei se despediu do futebol (jogava pelo New York Cosmos) e em que foi homenageado por Muhammad Ali. Pelé agradeceu com um beijo, que Luis Bueno todos os dias imortaliza, colando “lambe-lambe” nas ruas de São Paulo, onde vive há 15 anos, substituindo o pugilista por personagens como Mona Lisa, David Bowie, C-3PO, Marilyn Monroe, Chewbacca, Bob Marley, Salvador Dalí ou qualquer um dos The Beatles. “Nunca me encontrei com ele pessoalmente, mas dizem que é uma pessoa muito afável”, comenta Bueno, natural de Guararema e fã de Pelé por este ser “um ícone daquilo que é o Brasil, com os seus problemas e as suas potencialidades”. “Significa a cultura brasileira”, resume.

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Bueno ao lado de uma das suas obras no Beco do Batman Luís Octávio Costa

Quando chegou a São Paulo, Bueno sentiu o “impacto muito grande” que provavelmente todos nós sentimos quando chegamos a uma cidade onde vivem mais pessoas do que em todo o território português (são 12 milhões na cidade brasileira, menos dois milhões em Portugal). Se o Brasil, como escreveu Antonio Carlos Jobim, “não é para principiantes”, São Paulo, com ruas caóticas e agrestes (onde as lixeiras de grade são tantas como os indigentes caídos pelas soleira das portas), com uma — pelo menos uma — “cracolândia” e marcas de tinta e de desigualdades sócio-económicas a trepar pelos edifícios abandonados de paredes de betão áspero, não é para qualquer um.

“Aqui, se há uma casa abandonada, há ‘pixação’”. “Pixação” é o mesmo que pichagem, que significa “aplicar piche”. E parecem escritas a petróleo, rabiscadas janela a janela, varanda a varanda, “escalada” a “escalada” as mensagens, o “pixo” que se distingue do graffiti pela falta de cor, pela falta de formas redondas e polidas e pela ausência de mensagens harmoniosas. Os “pixadores” (ou pichadores) raramente usam imagens, apenas letras, gatafunhos monocromáticos, uma caligrafia omnipresente de linhas rectas e cantos aguçados. “A ‘pixação’ é a manifestação mais marginal do universo de arte de rua por parte de uma ‘galera’ que quer expressar-se e não tem como”, sublinha Bueno, adepto da “forma de guerrilha” de ocupação sem autorização de espaços que estão ociosos. “Ficou claro para mim que a arte de rua tem um poder de tocar directamente as pessoas que a arte de galeria e de museu não têm.”

Quem “pixa” — consta que são mais de cinco mil “pixadores” activos só em São Paulo — não usa o verbo pintar. Quem “pixa”, detona ou escancara. E essa raiva em relação à cidade é muito mais do que bravura adolescente. Está enraizada e reflecte um sentimento de injustiça intrinsecamente ligado ao padrão de urbanização desigual que marcou os anos 1940 e que continua até hoje com tentativas de transformar São Paulo numa cidade moderna baseadas em ambiciosos projectos de renovação urbana. Além de melhorias nas infra-estruturas, um programa de ampliação das ruas, a construção de um enorme parque urbano (Parque Ibirapuera) e outros projectos de embelezamento, a principal característica da renovação urbana de São Paulo foram os seus arranha-céus modernistas.

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Uma das "naves espaciais" de Oscar Niemeyer Luís Octávio Costa

Alimentada por crédito fácil e aspirações de uma linha de horizonte ao estilo de Nova Iorque — muito diferente e tão semelhante —, São Paulo experimentou um boom sem precedentes de construções no imediato período do pós-guerra. Esses projectos de renovação urbana tiveram, porém, um efeito adverso na vida dos moradores da classe trabalhadora da cidade. Para transformar São Paulo na cidade moderna imaginada, grandes porções foram demolidas, especialmente os edifícios “fora de moda” localizados no centro da cidade, habitados pelos trabalhadores pobres. Incapazes de encontrar moradias a preços acessíveis dentro e nos arredores do centro, os paulistanos da classe trabalhadora ficaram com duas opções: juntar-se aos pobres urbanos numa das favelas da cidade ou mudar-se para a periferia. A maioria escolheu a periferia e São Paulo ganhou a reputação de ser uma das cidades mais desiguais do mundo.

“Bem-vindo a São Paulo. Viva tudo isso.” E “isso”, como nos avisa a faixa numa das vias rápidas (por aqui, as “vias” nunca são muito “rápidas”), é muita coisa, muita informação para digerir, para se viver. “Isso” são todas as dicas de todas as pessoas de todas as redes sociais em que vivemos mais a vida real de São Paulo escancarada nas ruas. Estamos preparados para uma parte, não para o todo.

Fatidicamente, a nossa visita a São Paulo até começou no extremo ostentador da vida da cidade, onde chegámos a convite da ILTM, feira internacional de turismo de luxo que durante quatro dias aterrou no Parque Ibirapuera, o parque mais visitado da América Latina e um dos mais fotografados do mundo — culpa do paisagista Otávio Augusto Teixeira Mendes e do arquitecto Oscar Niemeyer, autor de algumas das “naves espaciais” brancas deste parque urbano. Durante quatro dias circulámos num evento apenas para convidados que reúne os melhores agentes de viagens de luxo do Brasil e da América Latina para reuniões pré-agendadas com fornecedores das melhores experiências de viagem de todo o mundo. Desta vez, a cerimónia inaugural do ILTM aconteceu no cinco estrelas Palácio Tangará (bólides lá fora, dress code lá dentro), um oásis urbano no universo cosmopolita de São Paulo inaugurado em 2017 e que é o primeiro empreendimento brasileiro da marca hoteleira europeia Oetker Collection, umas das mais selectas colecções de hotéis masterpiece do mundo. Debruçado em torno do verde do Parque Burle Marx, no bairro do Panamby, este palacete em estilo neoclássico de 27 mil metros quadrados (onde já esteve uma casa encomendada a Niemeyer pelo empresário e playboy Francisco “Baby” Pignatari) foi construído em 1990 para ser um spa de luxo, mas, por motivos de desavenças entre os então sócios, foi abandonado durante 15 anos, até a obra ser retomada e o edifício e jardins restaurados. “Queremos ganhar ainda mais visibilidade para nos consolidarmos como uma alternativa na cidade para quem procura equilibrar a agenda de negócios com uma experiência revigorante no meio da movimentada São Paulo”, sublinha Celso do Valle, gerente do Palácio, que adoptou o nome de um pássaro de peito azul e crista vermelha.

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Vista do 23º andar do Tivoli Mofarrej Luís Octávio Costa

Durante cinco noites também ficámos alojados num cinco estrelas, no Tivoli Mofarrej, em pleno Bairro dos Jardins, a um quarteirão da Avenida Paulista e com uma vista impressionante e omnipresente de um 23.º andar (360 graus) sobre as artérias de Sampa, que Caetano Veloso cantou (“É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/ Da dura poesia concreta de tuas esquinas/ Da deselegância discreta de tuas meninas”).

O velho é feio?

Para entender São Paulo, e porque facilmente pode ser mal-interpretada, começámos no MASP. Porque toda a gente nos referenciou o Museu de Arte de São Paulo, porque ele está mesmo aqui ao lado, porque foi plantado em plena Avenida Paulista — prazer em conhecê-la, ouvimos falar muito de si — e porque cá fora, sob as patas armadas do bicho, combinámos encontrar aqueles que serão os nossos guias nas pausas do ILTM. César, Marcelo, Alexandre e André. Denominadores comuns? A fotografia, o Instagram e São Paulo, que é o palco diário deles.

O MASP foi desenhado pela italo-brasileira Lina Bo Bardi, que usou vidro e betão para criar arquitectura de superfícies rudes e sem acabamentos de luxo, mas que de alguma forma transmite uma sensação de leveza e de transparência. Famoso por um vão de 70 metros que se estende sobre quatro pilares como patas vermelhas de um ser, o edifício modernista possui a mais importante e abrangente colecção de arte ocidental da América Latina e de todo o hemisfério sul, totalizando aproximadamente oito mil peças. No interior sem divisões, e no que à museografia diz respeito, Lina Bo Bardi também inovou ao utilizar lâminas de vidro temperado amparadas por um bloco de cimento como base para as pinturas — a sua intenção é imitar a posição do quadro no cavalete do artista no seu atelier, permitindo-nos espreitar as “costas” de cada quadro. Cá fora está uma pequena fila, interrompida por auto-proclamados “vendedores de literatura poética”. Lá dentro, autocolante MASP ao peito, mais cultura brasileira.

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A cidade convive lado a lado com a arte de rua Luís Octávio Costa

Somos apresentados a António Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho (1738-1814), filho de um artífice português e da sua escrava, alforriado pelo pai, e autor de uma série de obras realizadas em igrejas mineiras e que formam um dos principais conjuntos de arte religiosa executados no Brasil. No ano dedicado às histórias afro-atlânticas no Museu — as histórias dos fluxos e refluxos entre a África e as Américas através do Atlântico —, também a exposição de Maria Auxiliadora (1935-1974), de origem humilde, descendente de escravos, assume uma urgência. A sua pintura, cheia de capoeira e samba, de umbanda, candomblé e orixás (manifestações religiosas que assumiriam um papel de conforto espiritual na luta da artista contra o cancro), de festas, procissões, botecos e bailes representa também o dia-a-dia de familiares e amigos nos subúrbios de São Paulo. Longe dos preconceitos académicos ou modernistas, longe dos artistas canonizados pela história da arte, Maria Auxiliadora, como os artistas de rua, inventou um outro modo de pintura, uma técnica singular — até mechas do seu próprio cabelo serviram para engrossar a tinta que usava — que se transformou na sua assinatura.

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Um palhaço prepara-se no metro para mais um dia de trabalho Luís Octávio Costa

Assim como o Aleijadinho, que frequentemente manifestou a tendência para deformar as figuras que esculpiu aumentando um pouco o seu tamanho, também São Paulo se desfigura ano após ano, demolição após demolição — e nem estamos a falar do modernista Edifício Wilton Paes de Almeida, construído em 1961 por Roger Zmekhol, abandonado em 2001 e cujos 24 andares desabaram uns dias antes de chegarmos, deixando espalhadas pelo Largo do Paissandu dezenas e dezenas de tendas de campismo onde agora moram as famílias que o ocupavam ilegalmente —, construção após construção. “São Paulo vive a cultura do velho é feio”, resume @cesinha, habituado a explorar as várias faces de uma cidade mutante e fã incondicional do centro, que vive numa encruzilhada tão grande como o “Minhocão”. Esta via elevada que rasga a cidade foi inaugurada em 1970 com o intuito de desafogar o trânsito e funciona de segunda a sexta das 7h às 20h, permanecendo fechada a veículos automóveis nos demais dias e horários, altura em que os seus 3400 metros ganham uma segunda vida, cheia de atletas mais ou menos amadores, bancas de sumos naturais e outros vendedores ambulantes e até alguns projectos culturais que se vão exibindo às janelas e varandas do “vale” que limita o Elevado Presidente João Goulart. “O centro é o meu quintal. É onde está a essência da cidade”, sublinha. “É uma ‘briga’ eterna”, acrescenta @aurch, com casa colada ao Minhocão. “Há uma maioria de pessoas que acham que São Paulo tem que ser dos carros. Mas as pessoas querem as ruas, o ar livre, não querem o shopping”, diz, lembrando que só a dinâmica do centro da cidade e o fluxo de novos moradores poderá provocar e desencadear novas oportunidades de trabalho e devolver a segurança a uma cidade onde hoje se usa o smartphone com parcimónia — com um olho no gadget e com o outro nas “aves de rapina”.

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“Bem-vindo a São Paulo. Viva tudo isso.” Luís Octávio Costa

A avenida onde tudo acontece

Veja-se o esclarecedor caso da fértil Avenida Paulista, onde ao longo dos seus 2,7 quilómetros de extensão floresce uma variedade incrível de equipamentos culturais (para além do MASP, a Japan House, o Instituto Moreira Salles, o Instituto Cervantes, o Cinema Bristol, o Conjunto Nacional, o Espaço Cultural Citi, o Itaú Cultural e um recém inaugurado SESC com vida própria e vista privilegiada para a avenida e para um imenso Niemeyer pintado por Kobra, filho da terra) e que ao domingo também é devolvida às pessoas, transformando-se numa festa imensa, num verdadeiro pólo cultural. “Ao domingo vemos aqui coisas que normalmente vemos na praia, não na rua”, conta @aurch, caçador de erros e “turista na própria cidade”.

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Decretado oficialmente em Junho de 2016 pelo então presidente da Câmara Fernando Haddad, o programa Paulista Aberta afasta os carros, transformando a avenida numa grande praça pública onde todos podem descobrir e apreciar de outro ângulo e com outro ritmo projectos de grandes artistas e de outros que estão a começar e que de uma forma espontânea montam o seu palco.

A relevância da Avenida Paulista deve-se, entre outros factores, ao facto de São Paulo ser uma cidade sem grandes atractivos naturais e que por isso tende a olhar para si mesma. “A avenida é o local onde tudo acontece”, sublinha Alexandre Urch. Se no final do século XIX a Paulista brotou para ser um eixo de glamour dos barões do café e seus palacetes (a Casa das Rosas, um casarão de 1935 no estilo clássico francês, parece ter escapado às várias investidas da modernidade), a mesma foi-se reconstruindo, camada sobre camada, à medida que se foram sucedendo os ciclos históricos da cidade.

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Detalhe da vida no Largo de São Bento Luís Octávio Costa

“Quem mora em São Paulo não conhece muito a cidade”, constata @cesinha. “As pessoas não sabem”, mas até o amplo terraço do Edifício Copan, símbolo da arquitectura moderna brasileira, número 200 da Avenida Ipiranga, pode ser visitado (gratuitamente, duas vezes por dia). “São Paulo é muito isso”, uma cidade que aos poucos vai olhando para si própria com orgulho, mas uma cidade que ainda consegue apontar os casos raros de quem vive, trabalha e faz a sua parte na revitalização do centro (como o casal Janaína e Jefferson Rueda, proprietários do restaurante Casa do Porco e do Bar da Dona Onça, paredes meias com o gigante “s”, onde moram). Segundo Niemeyer, que nos anos 1950 desenhou o Copan, os ângulos rectos da cidade não atraíam o público. As curvas sim. Inspirado no Rockefeller Center de Nova Iorque, o prédio é incontornável na paisagem. Tem a maior estrutura de betão armado do país. 115 metros de altura, 32 andares e 120 mil metros quadrados de área construída, dividida em seis blocos num total de 1160 apartamentos de dimensões variadas e mais de 70 estabelecimentos comerciais. Durante as décadas de 1950, 60 e 70, o Copan foi a imagem da São Paulo Moderna — uma campanha publicitária previa mesmo uma “chuva de dólares” para a cidade. Hoje, a obra que o próprio Niemeyer considerou como filho bastardo continua a acompanhar as ondas da cidade. Está enredado — a pastilha que o cobre está periclitante. Parece uma bandeira. É uma bandeira.

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“Quem mora em São Paulo não conhece a cidade”, constata @cesinha no terraço do Copan Luís Octávio Costa

São Paulo “é grande e pequena ao mesmo tempo”, diz Paulo Del Valle, enquanto passeia a Pipoca. Há sempre quem diga “o centro é feio, mas ali é bonito”. “Aos poucos”, garante @marcelonava, “o centro está cada vez mais atraente”. Reencontramo-lo no Largo de São Bento, um dos espaços públicos mais antigos de São Paulo, para um “rolê” que incluiria galerias comerciais (é essencial conhecer e entender no mínimo a Galeria Nova Barão e a Galeria do Rock), uma paleta de orelhões (um belo e agora menos funcional objecto lançado em 1972 nas ruas pela arquitecta e designer brasileira Chu Ming Silveira), engraxantes de todas as idades e para todas as classes sociais e até um Impostômetro (no Viaduto da Boa Vista, também conhecido entre instagramers como “drone dos pobres”), um painel electrónico (como numa máquina de flippers) ligado a um mecanismo, que calcula a exorbitante quantidade de taxas que sobrecarregam a economia brasileira. Antes, relaxamos no estrado de madeira do Largo de São Bento, mesmo em frente ao Mosteiro, onde de soslaio conseguimos espreitar o pátio do colégio e descobrir algumas delícias celestiais fabricadas por quatro monges e vendidas numa pequena padaria: os pães artesanais Dominus (pão de campanha elaborado com um blend de farinhas francesas), Exultet (farinha francesa, gotas de chocolate, cacau e laranja, “fermentação natural e cozido directamente na pedra”) e São Philippi (farinha francesa e nozes torradas), o mel, os biscoitos (de azeite, de amêndoas, de água de flor de laranjeira, de cardamomo, canela, gengibre e cravinho em pó), as trufas, os licores, o vinho, a cerveja e os meios bolos (o Bolo dos Monges leva vinho canónico, damasco, ameixa e açúcar mascavado...).

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Luís Octávio Costa

O Viaduto Santa Efigenia, estrutura de ferro Arte Nova fabricada na Bélgica e inaugurada em 1913, já está ao rubro. Há “jogo da bolinha”, camelôs (vendedores ambulantes), truques de magia, surpresas, baralhos mágicos, “gozações” e outros quebra-cabeças. Ao fundo, contornamos o Largo do Paiçandú (e o caos provocado pela queda descontrolada do Wilton Paes de Almeida, que deixou a descoberto muitas fragilidades), contamos salas de cinema fantasmas que já foram campeãs absolutas de entretenimento para a população (Cine Paissandú, Art Palácio, Marrocos...). “Comeu coxinha? Tem que comer coxinha!” Cada paulistano (paulistano nasceu na cidade, paulista nasceu no Estado) indicará a sua coxa creme preferida no “pós balada”. As nossas primeiras coxas? Estadão e 89º Coffee Station. Por que ponta começar? É como explorar São Paulo. “A gente roda, roda, roda e cai no mesmo lugar. São Paulo é mesmo assim”, descreve @andrehsantos.

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Os populares Kombi Luís Octávio Costa

A gente está aqui — no centro financeiro, calçada portuguesa e engraxatarias finas instaladas em pagodes vermelhos — e está na Catedral da Sé. A gente está no bairro da Liberdade e está no Japão — e fica explicada uma parte importante da história do sushi e do karaoke. A gente está a dançar, a ler ou a namorar no CCSP e está na Pinacoteca (tem que se ir à Pinacoteca, junto à Rua das Noivas e à Estação da Luz, que é o Museu da Língua Portuguesa). A gente está num Uber (“caiu no Uber certo”) e está num roteiro gastronómico improvisado pelo Guilherme. “Podia dizer dez sem pensar.” E disse: Paris 6 Burlesque (teatro, circo, contorcionismo e um pedacinho de Paris), Acrópoles (“o melhor grego de São Paulo”, diz o nosso motorista, que destaca as lulas recheadas e a conversa com o cozinheiro), Rota do Acarajé (ingredientes da Bahia e cachaça “para degustar”), Consulado Mineiro (tutu com feijão e torresminho), Mori Sushi (“serviço exclusivo ao balcão”), Pizzaria Moraes (abriu em 1933, tem as pizzas “mais antiga e mais bem feitas”), Speranza (quando a Moraes estiver fechada), Padaria São Domingos (pão de linguiça), Z-Deli (hamburgueria artesanal) e, para terminar a contagem, um sítio para beber um copo. “Balada? Puta! Aqui tem em todos os lados. Lovestory, todas as tribos se encontram lá. É o final.”

Baralhar e voltar a dar. É o início, a rua — que é onde São Paulo vive. Dia de feira — todos os dias são dias de feira. “Tem feira? Então tem caldo de cana e pastéis”, avisam Marcelo e André, enquanto puxam dos bancos de plástico nas lanchonetes improvisadas junto à Feira Santa Cecília e traçam no mapa um novo “rolê”. Terá histórias que ainda não chegaram aos museus (estão escondidas nos sebos, nos brechós, nas linhas de discos e de jazz que se improvisam na Teodoro Sampaio, estão nas feiras da Praça Benedito Calisto, ao sábado, e do Bixiga, ao domingo), terá street art daquela que se atropela (“não é onde há, é onde não há”; na dúvida, procure-se o espaço Choque Cultural). Terá um milhão de lambe-lambe. Terá um que diz que “coisas boas acontecem aqui”. Terá um que resume a história de José Datrino, o profeta Gentileza que Marisa Monte cantou. “Nós que passamos apressados/ Pelas ruas da cidade/ Merecemos ler as letras/ E as palavras de gentileza”.

A Fugas viajou a convite da ILTM

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