Marraquexe entre cheiros e sabores

Uma ida a Marraquexe também pode ser uma viagem gastronómica. A TAP, o hotel Be.Live Collection e o Turismo de Marrocos juntaram-se para proporcionar uma experiência diferente com sabores marroquinos feitos por mãos portuguesas.

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Adriano Miranda
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Cozinha vegetariana
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Já de volta a Portugal, chegamos ao aeroporto de Menara, em Marraquexe. É com surpresa que vemos a primeira criança europeia, com a cara cheia de protector solar branco, a fazer uma birra e a ser ignorada pelos pais. Durante quatro dias não vimos uma única criança no Hotel Be Live Collection, um cinco estrelas só para adultos (a pouco mais de uma centena de metros fica o hotel da mesma cadeia a pensar nas famílias com filhos pequenos) que fica a 20 minutos do centro da cidade marroquina, na zona do Palmeiral, mais de 14 mil hectares e cem mil árvores.

As crianças estão e andam por todo o lado. Na medina, agarradas às compridas saias das mães; na estrada, sentadas entre os pais nas velhas motoretas e indiferentes ao trânsito caótico; nos campos de futebol que vemos da janela do carro que nos transporta da cidade para o hotel, do hotel para a cidade, a jogar com t-shirts fluorescentes. Os meninos olham-nos com um ar curioso, malandro ou tímido, conforme as suas personalidades, e também farão birras como as crianças louras que vemos no aeroporto, mas parece que têm menos espaço para extravasar essas emoções. Por exemplo, numa das encruzilhadas do mercado, por onde andamos perdidos, há um menino que está cansado e que começa a choramingar, talvez esteja a pedir colo, mas logo há quem — conhecido ou desconhecido — o chame à atenção, o repreenda com palavras ditas num tom firme, não muito alto, até que a voz da criança se transforma num fiozinho que, pouco a pouco, se cala. Estamos em África e é preciso uma aldeia para educar uma criança, confirmamos in loco.

Há muito para ver em Marraquexe, mas o desafio proposto à Fugas é em torno da gastronomia. Vamos comer marroquino confeccionado por um português? Ou vamos comer português com inspiração marroquina? “Inicialmente era para fazer cozinha portuguesa, mas depois, se ia cozinhar para a imprensa portuguesa… Decidi fazer um desafio, uma mescla de cozinha portuguesa e marroquina”, conta Henrique Sá Pessoa, o chef que conquistou uma estrela Michelin para o restaurante Alma, em Lisboa, e que viajou com alguns elementos da sua equipa até Marrocos a convite da TAP, já que é um dos cozinheiros portugueses que desenvolve refeições para a companhia portuguesa de aviação. 

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“Andei pela medina, conheci restaurantes”, enumera Sá Pessoa que, em simultâneo, se foi familiarizando com a confecção de ingredientes e pratos marroquinos como os couscous ou as tagines. Assim, construiu um menu que foi saboreado duas noites, nos jardins do Be Live — na primeira para convidados e entidades locais; na segunda para a imprensa e influencers que se deslocaram de Portugal a Marraquexe.

A refeição começou com um creme de abóbora com pistácio e iogurte de menta. Como entrada, Sá Pessoa escolheu a cavala acompanhada por beringela e maionese com harissa, que é uma mistura de temperos típica do Magrebe. O prato principal foi uma tagine, com legumes assados e polvo acompanhado de batata-doce e coentros. “O polvo era de caras, o que comemos em Portugal é marroquino”, assegura o chef. Para o prato de carne, Sá Pessoa optou por bochechas de vitela — estava fora de questão servir porco num país muçulmano — com puré de grão, cenouras e mel.

Por fim, a sobremesa foi uma ganache de chocolate e canela com gelado de amêndoa, biscoito e cominhos. “Queria juntar especiarias”, justifica, acrescentando que Telmo Moutinho, o pasteleiro do restaurante em Lisboa, também o acompanhou nesta aventura de cozinhar em Marraquexe. “A sobremesa não sei se não vai para o Alma, mas um bocadinho mais trabalhada…”, confessa Sá Pessoa, que ficou muito satisfeito com o resultado final desta experiência. “Estava a dizer à TAP que gostava de repetir. Pode-se fazer [um jantar] mais glamoroso, mas o facto de ter uma estrela Michelin não deve ser impeditivo de fazer outras experiências”, acrescenta, imaginando-se já a cozinhar noutros destinos da companhia aérea.

Dez anos a voar para Marrocos

A TAP apostou nesta iniciativa porque actualmente realiza 28 voos semanais para Marrocos, “que ascendem a 35 no pico do Verão”, ligando Lisboa a quatro cidades marroquinas, informa em comunicado que publicou no dia do jantar. A primeira rota começou há dez anos, em 2008, para Casablanca — no primeiro ano foram transportados 17 mil passageiros, no ano passado 69 mil.

Dois anos depois, em 2010, a TAP iniciou a rota Lisboa-Marraquexe. Dos 15 mil passageiros do primeiro ano, o número cresceu para 95 mil em 2017 e, actualmente, há dois voos diários. A terceira rota foi para Tânger, em 2013 — esta é uma operação sazonal e, por isso, no primeiro ano a TAP transportou 11 mil pessoas e, quatro anos depois, o número subiu para 19 mil. Em Outubro passado, a companhia começou a voar para Fez diariamente em períodos de pico. Em cinco meses, de Outubro de 2017 a Março deste ano, a TAP transportou mais de 12 mil passageiros.

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Henrique Sá Pessoa cozinhou em Marraquexe

No dia seguinte ao jantar no Be Live, o chef reúne a sua equipa — dois cozinheiros, um pasteleiro e a chefe de sala — e vai até à praça Jemaa El-Fna, o coração da cidade e um espaço que foi classificado pela UNESCO como Património da Humanidade. A praça ainda está pouco composta, há macacos amestrados e encantadores de serpentes, assim como mulheres que tatuam as mãos das turistas com hena. Esta praça é pedonal e seguimos um guia que arranha umas palavras de português, mas que, aos gritos, vai saltando entre o francês e o inglês. Ao saber que Sá Pessoa é um chef reconhecido em Portugal, rapidamente o adopta e baptiza-o de “Master Chef”, numa alusão ao concurso televisivo, para depois o tratar por “Mr. Gucci” ou “Mr. Versace”, vá-se lá saber porquê.

O guia conduz-nos pelas ruas do mercado. Passamos pelas bancas de cores fortes das especiarias, pelas menos higiénicas, como as da carnes ou do peixe — com os produtos expostos ao ar e às moscas —, pelas dos doces tão doces que as abelhas sobrevoam-nos, pelas dos grãos e outras leguminosas. Há momentos em que o sol forte incide nas nossas cabeças e outros em que deixamos de o ver e seguimos pelas ruas escuras com lugares de venda de um lado e do outro. Tal como a Baixa pombalina com as ruas divididas por profissões — Rua dos Fanqueiros ou Rua dos Sapateiros — também aqui há os souks para os artigos de couro, cerâmica, tapetes, latão, tintureiros. Existem também os fornos comunitários onde se coze pão e pequenas produções, como a do óleo de argão, bom para o cabelo, para a pele e também para cozinhar.

O mercado é rico em artesanato e em negociantes que regateiam um preço justo para cada peça. Antes disso, apanham-nos pela língua. “Português? Cristiano Ronaldo! Carlos Cruz!” Sim, Ronaldo traz-nos um sorriso ao rosto, como traria aos nossos pais enunciar “Eusébio”, mas o apresentador de televisão que caiu em desgraça?

Já regatear é uma arte e quem vende fica ofendido se o cliente não der luta. Há que regatear e fazer as contas — pode pagar em dirhams ou em euros, a moeda europeia até é preferida. No entanto, não baixe o preço de maneira a que seja ofensivo. Há um momento em que o vendedor pode virar as costas e isso pode não ser teatro, sobretudo se não vier atrás de si… Portanto, faço-o com gosto mas com respeito pelo trabalho dos outros e de certeza que ambos chegarão a um preço justo.

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O mercado é uma surpresa pelos lugares onde se pode comer. O Turismo de Marrocos escolheu o La Salama, mais vocacionado para turistas do que para locais. Um espaço bonito com mobiliário tradicional no 1.º andar, que se transforma em ocidental quando se chega ao terraço coberto com vista para toda a praça e, ao fundo, lá está a Koutoubia, a maior mesquita da cidade, com o seu minarete com 69 metros de altura. No Verão, fará ali bastante calor, mas as noites podem ser bonitas com as luzes coloridas do mercado e da alta torre que serviu de inspiração, por exemplo, à Giralda, em Sevilha, conseguimos imaginar.

Uma outra Marraquexe

O dia vai caindo e a praça enche-se cada vez mais, há charretes puxadas por cavalos magros, cornetas, tambores, jogos sociais, vozes e mais vozes, como as dos contadores de histórias, uma tradição que virá dos tempos dos mercadores e das suas viagens até ao Médio Oriente. Gente, muita gente. Mulheres de roupas compridas e cabeças cobertas ao lado de outras vestidas como as ocidentais. Há bancas com laranjas doces que serão transformadas em sumo, outras de caracóis e promessas de “no diarrhea”, gritam os vendedores. Os cheiros e as cores são tão apelativos que nos convidam a arriscar. Mas é tempo de regressar ao hotel, onde o buffet é rico e variado — da comida ocidental para o turista habituado a comer pizzas e massas à local, com as saladas de grão, o pão, as tagines com especiarias e frutos secos, dos damascos e ameixas às amêndoas, sem esquecer o chá de hortelã muito, mas mesmo muito doce. De manhã, o pequeno-almoço prima pela variedade de frutas, queijos, carnes frias, pães, bolos e crepes ocidentais e marroquinos, sem esquecer os ovos e os cereais.

As saladas e as carnes grelhadas, de maneira muito semelhante à nossa, mas com sabores característicos pelo uso das especiarias, fazem a ementa do restaurante Dar Rhizlane, que fica num hotel de arquitectura tradicional, numa zona mais calma da cidade. Quando entramos, parece que estamos num pequeno palácio, com os arcos profusamente desenhados e recortados, as fontes que trazem frescura ao pátio e uma piscina rodeada de pesadas espreguiçadeiras de palhinha, cobertas de grossas toalhas turcas.

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O silêncio domina e só é interrompido pelos mergulhos na piscina. A refeição é fresca. À mesa chegam várias saladas e, por fim, uma tagine com a vitela a desfazer-se graças às horas que passou no forno. Um dia depois, regressamos para sermos nós a fazer a refeição. Trata-se de um workshop, uma actividade que o hotel faz com alguma regularidade, onde aprendemos a fazer duas saladas e, claro, uma tagine, desta vez de frango. Como já tínhamos visitado o mercado, esta proposta não foi incluída, mas é possível fazer o atelier com a compra dos produtos locais.

Os pratos são simples de fazer e os ingredientes são todos conhecidos — as nossas cozinhas não são assim tão diferentes, comentamos. Azeite, alho, salsa, louro, tomate, beringela… e depois o que nos distingue são as especiarias, com destaque para a harissa, a paprica e os cominhos. É tempo de nos sentarmos à mesa e saborearmos o que estivemos a fazer nas duas últimas horas. Há um gato que se passeia por entre as mesas num passo calmo e seguro que nos induz a querer permanecer por ali, mas há tanto ainda para ver, dos monumentos antigos como a madraça de Ben Youssef ou o Palácio M’nebi às muralhas da cidade antiga — que foram construídas em adobe rosado e dão o tom a toda a cidade.

Mas há uma outro Marraquexe para visitar, o do Jardim Majorelle e do Museu Yves Saint Laurent, que ficam lado a lado e pertencem à Fundação Pierre Bergé-Yves Saint Laurent. O museu é mínimo mas tem um grande impacto não só entre os que gostam de moda, pelo modo como as peças e acessórios estão expostos. Os vestidos — que vemos ao percorrer completamente às escuras a sala onde as luzes apenas incidem sobre aqueles — são verdadeiras peças de arte, sobretudo porque muitos dos expostos são dedicados a pintores, como Georges Braque, Henri Matisse ou Picasso.

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Há um pequeno auditório para 150 pessoas onde passa um documentário sobre a vida do costureiro francês, mas onde se pode assistir a concertos ou seminários; uma livraria e um café com o nome do espaço onde o designer trabalhava em Paris, Le Studio, com um ambiente calmo e um menu que propõe pratos franceses e marroquinos.

Mesmo ao lado fica o Jardim Majorelle, assim chamado porque pertenceu ao pintor francês Jacques Majorelle, que o adquiriu em 1923, e foi comprado por Bergé e Saint Laurent em 1980. É ali que se encontram as cinzas do costureiro e do seu companheiro. Também ali está um museu dedicado à vida e cultura berbere, onde há uma sala imponente pelas jóias expostas. Mas é o jardim propriamente dito que é digno de ser visitado, com centenas de espécies de plantas. Também aqui, embora o jardim esteja cheio de turistas e de locais, crianças incluídas, o silêncio sobrepõe-se às conversas e ao barulho dos pássaros.

Por visitar ficam tantas, mas tantas coisas — dos monumentos à natureza, como o Alto Atlas, passando pelas praias — tudo a algumas horas de distância que o desejo é, definitivamente, o de voltar.

A Fugas viajou a convite da TAP Air Portugal, Turismo de Marrocos e Be.Live Hotels

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