Há dunas em Plutão. Que segredos escondem?

Equipa internacional de cientistas analisou imagens da superfície de Plutão recolhidas pela sonda New Horizons e confirma agora que o planeta-anão tem dunas, tal como a Terra e Marte.

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Em baixo à direita, as dunas de metano detectadas em Plutão pela sonda New Horizons NASA/Universidade Johns Hopkins/ Instituto de Investigação do Sudoeste

A nossa visão sobre Plutão mudou em 2015: a sonda New Horizons passou muito perto da superfície de Plutão e deu-nos imagens de alta resolução do planeta-anão. Nessa altura, observámos que Plutão tinha estruturas (inesperadas) na sua superfície. Mas faltava perceber o que eram. Agora, uma equipa de cientistas do Reino Unido, Alemanha, França e dos EUA confirma que entre essas estruturas estão dunas – como já se suspeitava – e explica como é que se formaram. Plutão junta-se assim a um conjunto de corpos celestes do nosso sistema solar, como a Terra, Marte e Titã, que também têm dunas.

Lançada em Janeiro de 2006, a New Horizons (da NASA) apanhou boleia da gravidade de Júpiter em 2007 e fez a sua maior aproximação a Plutão em Julho de 2015. O grande objectivo desta viagem era descobrir mais sobre as propriedades da superfície do planeta-anão que fica a cerca 4800 milhões de quilómetros de nós, assim como a sua geologia, composição do interior e atmosfera. “Os geofísicos vão ter muito trabalho para perceber os processos em causa”, dizia na altura em conferência Alan Stern, investigador principal da equipa da sonda, após as imagens dessa aproximação terem sido divulgadas.  

Em Setembro desse ano, foram reveladas outras imagens muito detalhadas da superfície do planeta-anão. “Plutão exibe uma diversidade de relevos e de processos complexos que compete com qualquer outro objecto que vemos no sistema solar”, indicava Alan Stern. Os cientistas chegaram mesmo a apontar que o planeta poderia ter dunas. Mas era algo controverso.

“Ver dunas em Plutão – se realmente forem dunas – será completamente alucinante, porque actualmente a atmosfera de Plutão é muito fina”, considerava William B. McKinnon, da Universidade de Washington (EUA). “Mesmo que a atmosfera de Plutão tenha sido mais espessa no passado, ou que algum processo que não tenhamos descoberto esteja a funcionar, isso [as dunas] é um mistério.”

Portanto, como também explica Eric Parteli, físico e geocientista brasileiro agora na Universidade de Colónia (Alemanha) e um dos autores do trabalho, as dunas em Plutão não eram muito aceites pela comunidade científica: “Como a densidade atmosférica em Plutão é muito baixa, ou seja, Plutão quase não tem ar, em princípio poucos acreditavam que poderia ter dunas.”

Os cientistas voltaram a analisar detalhadamente as imagens recolhidas pela New Horizons em 2015 e afirmam esta sexta-feira num artigo científico na revista Science que Plutão tem dunas. Distribuídas ao longo de menos de uma área de 75 quilómetros, ficam numa região montanhosa, mesmo no limite da planície gelada Sputnik.

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Em forma de coração, vê-se a planície gelada Sputnik NASA

Depois, através de análises espaciais feitas às dunas e a rastos deixados pelo vento no solo, assim como o uso de um modelo espectral e numérico, a equipa descobriu como as dunas se formaram: terão surgido a partir de grãos de gelo de metano libertados na atmosfera rarefeita de Plutão.

Esses grãos terão sido transportados por ventos moderados – que podem alcançar entre 30 a 40 quilómetros por hora (e são comuns nos desertos da Terra) – para o limite da planície gelada e da região montanhosa. “Segundo os nossos cálculos, seriam necessários ventos de 800 quilómetros por hora para iniciar o transporte. No entanto, não há em Plutão ventos muito mais fortes do que estes [30 a 40 quilómetros por hora]”, indica Eric Parteli. Qual foi então o ingrediente que permitiu que o transporte de grãos se iniciasse? “A ejecção de partículas do solo para a atmosfera como resultado de processos de sublimação [passagem do estado sólido ao estado gasoso], os quais são causados por irradiação solar”, responde o cientista.  

Passado geológico recente

As dunas de Plutão são transversais (perpendiculares à direcção predominante do vento), tal como na Terra e em Marte. “Formam-se quando o vento praticamente não muda de direcção. Elas orientam-se e movem-se perpendicularmente à direcção do vento”, descreve ainda Eric Parteli. Os cientistas sugerem ainda que as dunas se tenham formado nos últimos 500 mil anos ou até mais cedo, pelo que são estruturas “formadas num passado geológico muito recente”, como se lê no artigo.

“Este estudo é o primeiro a mostrar que o vento é, de facto, um agente geológico fundamental para se entender a superfície de Plutão”, adianta o cientista. Mas acrescenta que ainda há muitas perguntas em aberto. Será que há dunas noutras partes de Plutão? Ou será que há outras formações geológicas que podem ser explicadas pela acção do vento? “Além disso, várias perguntas sobre a dinâmica das dunas que encontrámos ainda precisam de ser respondidas, como: qual a altura das dunas, quão rápido se movem e desde quando têm aquela morfologia? Como não existe a possibilidade de se adquirirem mais imagens de Plutão nem agora nem num futuro próximo, esta investigação vai-se apoiar quase exclusivamente na aplicação de ferramentas de modelagem e simulação computacional do transporte eólico.”

Plutão junta-se assim a outros corpos celestes do sistema solar que também têm dunas: os planetas Terra, Marte e Vénus, a lua (de Saturno) Titã e, talvez, o cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko. “O que faz desta descoberta algo surpreendente é que os sedimentos podem ser movimentados apesar da ténue atmosfera de Plutão”, escreve ainda Alexander Hayes, da Universidade Cornell (EUA), num comentário sobre o trabalho na mesma revista. E frisa que a New Horizons tirou Plutão da penumbra: “Antes da missão da New Horizons, a superfície de Plutão estava envolta em mistério.” Hoje podemos dizer que já vimos este planeta-anão com outras formas

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