Futuro da Europa está na Ciência e o de Portugal pode estar nos vinhos

Vencido o défice orçamental, a grande batalha será agora combater o défice de qualificações dos portugueses, elencou António Costa na conversa que manteve no Porto com Angela Merkel.

Foto
Costa e Merkel responderam a questões de alunos de doutoramento no Porto MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA

Se há tensão latente entre o primeiro-ministro, António Costa, e a chanceler alemã, Angela Merkel, ela não se fez notar na conversa que os dois tiveram, a reboque das perguntas colocadas pelos estudantes de doutoramento do i3s – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto. Em perfeita sintonia, os chefes de Estado elegeram o investimento na investigação como fulcral para garantir uma União Europeia competitiva à escala global.

O reforço em 25% nas verbas dedicadas à investigação em Ciência previsto no próximo quadro financeiro plurianual (2021-2027) proposto pela Comissão Europeia (passou de 80 mil para 100 mil milhões de euros) é, introduziu Costa, “um esforço significativo" e “essencial para que a Europa continue a ser um motor da economia global, capaz de gerar uma prosperidade partilhada assente em valores sociais”.

Antes disso, já Angela Merkel tinha defendido que “a Europa tem que ser mais corajosa” na aposta na inovação. “Precisamos de capacidade estratégica na Europa. É preciso que a Europa diga que em 2030 quer chegar ao ponto ‘x’ em investigação e desenvolvimento. Vamos apoiar isso”, invectivou, para, lembrando que a Europa tem vindo a perder algumas capacidades tecnológicas, eleger a produção de chips e de baterias automóveis como duas das áreas estratégicas capazes de colocar os países europeus em competição com os Estados Unidos e a China.

Ao longo de mais uma hora, as perguntas dos doutorandos ziguezaguearam entre o problema das migrações, os ataques terroristas e a “fuga de cérebros”, dentro e fora do espaço europeu. Ninguém perguntou a Merkel se mantém a convicção, amplamente partilhada em 2014, de que Portugal tem licenciados a mais. Limitou-se a lembrar que a Alemanha também se debate com a emigração qualificada e a sustentar que, se os países de origem souberem criar condições, “os investigadores regressam”.

Sem tocar nas feridas, Costa, por seu turno, sustentou que a aposta nas qualificações dos portugueses já permitiu atrair várias multinacionais que vieram criar emprego qualificado. De resto, “depois de anos de grande batalha contra o défice do Orçamento”, o primeiro-ministro considera que chegou o momento de se lançar no combate “ao maior défice que o país acumulou ao longo de séculos que é o défice de conhecimento e de qualificações”. “Vão ser décadas de trabalho”, reconheceu, para, ainda a propósito da fuga de cérebros, vincar as diferenças "entre a liberdade de circular e a necessidade de partir”.

Logo, o que importa agora assegurar aos portugueses é “o direito a ficar”, nomeadamente em sectores estratégicos como o têxtil, o calçado e a agricultura que “há 30 anos todos deram como mortos” e que se souberam reinventar. Como? “Através da inovação. Já não conseguimos competir com o preço das t-shirts produzidas na China. Onde estamos a ganhar quota de mercado é nos tecidos de alta qualidade, os chamados tecidos inteligentes”, exemplificou.

Costa deu ainda o exemplo da produção de vinhos como outro dos sectores que, por via da incorporação do conhecimento – isto é, da entrada de enólogos no sistema de produção – conseguiram tornar-se “seguramente dos melhores do mundo”. Risonha, Merkel defendeu a honra dos vinhos alemães, o que levou Costa a prometer deslumbrá-la com o vinho português ao jantar. “Quando tivermos o próximo choque assimétrico, vamos mostrar à Europa que temos esta reserva de vinho para exportar e reequilibrar a nossa capacidade económica”, brincou.

Sugerir correcção
Ler 18 comentários