Presidente italiano vai ficar mais um dia à espera que o telefone toque

Entre os palácios de Roma continua a jogar-se à política. Também já se fazem comícios. Os italianos ainda não sabem se terão um governo saído das urnas ou se serão, em breve, chamados de novo a votar.

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Salvini em campanha, Mattarella à espera Riccardo dalle Luche/EPA

Quando se diz que a Itália está em crise é certo e sabido que pode sempre piorar. Antes das legislativas de 4 de Março muitos antecipavam que a verdadeira eleição começava na segunda-feira, dia 5. Faz sentido. Os italianos votaram sem saber o que os seus eleitos fariam com o seu apoio, na expectativa de um Parlamento fragmentado como nunca. Para ajudar, os deputados podem mudar de bancada depois de tomarem posse, o que aviva o jogo político.

Recuemos menos de duas semanas. Na sexta-feira, 18 de Maio, os dois partidos mais votados apresentaram ao Presidente Sergio Mattarella um contrato de governo negociado ao longo de um mês. Os italianos conheciam, finalmente o programa que dois partidos de natureza e ideologias muito distintas tinham conseguido traçar. Mas faltava a Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas (32% nas eleições) e a Matteo Salvini, cuja Liga teve a lista mais votada dentro da coligação de direita (19% em 37%), apresentarem os nomes dos ministros.

Rapidamente se soube que a escolha para primeiro-ministro era o jurista Giuseppe Conte, de 53 anos, muito próximo do M5S, partido anti-sistema. A meio da semana passada, Mattarella encarregava-o de formar o próximo governo. Tudo parecia bem encaminhado até que, no domingo à noite, Conte desistia depois do veto presidencial à escolha de Paolo Savona (eurocéptico) para ministro da Economia e Finanças.

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Alessandro Bianchi/Reuters

A "opção B"

Mattarella recuperou a iniciativa e tirou da manga um trunfo já preparado: chamou um tecnocrata, Carlo Cottarelli, ex-director do Fundo Monetário Internacional para o Sul da Europa. Iniciava-se a “opção B”, que sempre estivera em cima da mesa: um executivo técnico de iniciativa presidencial e duração indeterminada (dificilmente receberia a confiança no Parlamento) para gerir o país até à realização de novas eleições.

Cottarelli apresentou-se no Quirinale, o palácio presidencial, de táxi, acabado de chegar a Roma e ainda de malas. Prometeu um governo para “tranquilizar os mercados e preparar o próximo orçamento”, sabendo que o mais certo era ser chumbado e durar até Setembro ou Outubro, no máximo. Isto na segunda-feira.

No dia seguinte, quando dezenas e dezenas de jornalistas viram Cottarelli entrar no Quirinale para o segundo encontro do dia com Mattarella esperaram em vão que este saísse para apresentar as suas escolhas ministeriais. Só que ele nunca apareceu: soube-se depois, já estava noutro palácio, o de Montecitorio, onde funciona o Parlamento. Entretanto, a bolsa de Milão caíra e contagiara praças por toda a Europa e em Nova Iorque, ao mesmo tempo que as “emoções” (nas palavras do presidente do Banco Central de Itália) tomavam conta dos investidores e a economia italiana assustava Bruxelas.

Ora, em parte por causa da reacção dos mercados, em parte por ter sabido através de membros da Câmara dos Deputados e do Senado “que ainda há possibilidades de formação de um governo político”, agora foi Cottarelli a dar um passo atrás, ou pelo menos, para o lado, explicou o próprio durante o longo silêncio que Mattarella tem mantido. O problema é que nada garante que as hipóteses de ressuscitar um executivo saído das eleições de Março existam, de facto.

Salvini já está literalmente em campanha – dá vários comícios por dia –, enquanto Di Maio lhe oferece mais ou menos tudo para manter o contrato e salvar a legislatura, desde a entrada de Giorgia Meloni (Irmãos de Itália, extrema-direita, parte da coligação de Salvini) no executivo à possibilidade de Savona permanecer mas ocupando-se de outra pasta. “Se me expulsam nem que seja um só homem daquela equipa, o governo não tem sentido”, responde o líder da Lombardia, região que viu nascer Salvini e a sua Liga.

“É aquele programa e aquela equipa, vamos bem, empenhemo-nos e trabalhemos. Se alguém, por motivos bizarros não cai bem à Europa, a Berlim, aos mercados, a [à chanceler alemã, Angela] Merkel e aos bancos, o que é que podemos fazer?”, afirmou Salvini num comício em Sestri Levante, cidade da Ligúria. Um pouco mais tarde, o dirigente admitia ainda “pensar” na proposta de manter Savona noutro Ministério. Entretanto já se dissera com “a paciência quase a chegar ao fim”.

Depois das férias

Já ninguém duvida que Salvini quer ir de novo a votos – nos últimos dias, diferentes sondagens anteciparam que a Liga pode ter entre 24 e 27,5%, enquanto o M5S mantém o resultado das legislativas ou desce ligeiramente (e a Força Itália, de Silvio Berlusconi, ex-chefe da coligação de Salvini, quase desaparece, com os seus votos a fugirem para o partido xenófobo e populista). Só não no fim de Julho, quando isso já seria possível, para não brincar “com o sacrossanto direito dos italianos às suas férias e por causa dos trabalhadores sazonais”.

Seja como for, com Cottarelli a não querer adiantar-se a qualquer outra possibilidade, Mattarella vê-se obrigado a esperar. Mas pouco: o Presidente dá até quinta-feira à noite para que Di Maio e Salvini voltem a contactá-lo e apresentem uma lista de ministros sem Savona. Ninguém aposta muito neste cenário, mas trata-se de Itália e em política não há mesmo impossíveis.

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Di Maio, tal como Salvini, acusou Mattarella de submeter os interesses de Itália aos da Europa Ciro Fusco/EPA

Fracassadas as últimas tentativas de Di Maio para convencer Salvini (e salvar-se face a membros do seu partido que nunca quiseram estas negociações), restará a Mattarella voltar à solução Cottarelli ou pedir ao líder da Liga que tente fazer o que este começou por desejar: um governo de direita, com minoria no Parlamento, que consiga negociar apoios ora do centro-esquerda (Partido Democrático) ora do 5 Estrelas.

O problema do cenário Cottarelli é que não será legitimado pelos deputados e isso impede-o de assumir determinados compromissos em nome de Itália. Nos meses em que estivesse em funções, com um G7 e uma cimeira europeia marcados, Bruxelas e o Banco Central Europeu não teriam interlocutor em Roma. Por isso, se isso se tornasse inevitável, os italianos não poderiam recorrer a quaisquer mecanismos de apoio aos seus bancos ou finanças.

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