Zach, the improviser

Christian Zacharias veio à Casa da Música mostrar o seu génio em diferentes papéis: como maestro, como pianista e nas duas funções em simultâneo.

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ALEXANDRE DELMAR/CASA DA MÚSICA

Christian Zacharias é um músico mais ou menos “consensual”, mas as opiniões de quem o ouviu no passado domingo na Casa da Música divergem. O concerto a solo que então apresentou rematou um fim-de-semana em que se pôde apreciar o seu génio em diferentes papéis: como maestro, como pianista e ainda desempenhando as duas funções em simultâneo.

Na sexta-feira, à frente da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música (OSPCdM), Zacharias fez soar um Haydn muito certinho, meticulosamente proporcionado. A orquestra respondeu bem à sua leitura da Sinfonia nº 49, em fá menor, La Passione.

Já ao piano, o maestro alemão mostrou pleno domínio no equilíbrio entre a execução instrumental e a direcção da orquestra. O Concerto para piano e orquestra K 449, em mi bemol maior, não é o mais vistoso dos concertos de Mozart, mas revelou-se o ponto alto da noite. Com géstica muito clara e assertiva, que, aliás, se reflectiu no resultado musical, Zacharias reafirmou a vantagem que leva sobre boa parte dos bons pianistas que tentam dirigir os concertos que interpretam. A segunda parte do concerto traria mais uma boa prestação da OSPCdM na Sinfonia nº 2 de Schubert.

No domingo, a solo, Christian Zacharias assumiu outro papel. Com toda a agilidade, baniu a sensação de compasso e, por vezes, mesmo a sensação de pulsação, manifestando uma inquietante urgência em partilhar a sua mensagem, como se uma nova personalidade musical emergisse perante o sol que, então, inundava a Sala Suggia.

A Sonata Hob XVI nº 44, em sol menor, de Haydn, decorreu sem maiores sobressaltos; mas Bach, por Zacharias, foi uma pequena decepção, não pelas falhas de memória, mas pelo exagero da velocidade (excepto na Loure e na Giga) e pela ausência da percepção de uma estrutura. Nem tudo foi negativo, porém! O pianista revelou-se um exímio improvisador, logo na Allemande. Atraiçoado pela memória física, e sem o apoio da tal noção de estrutura, Zacharias viu-se num eterno retorno de que só a custo se libertou, sem por um momento dar parte de fraco. Quem não conhecesse a Suite Francesa nº 5 (ou desconhecesse a estrutura de uma tradicional forma binária) não teria dado conta da deliciosa proeza do improvisador. Após a Courante, que passou num ápice sem transtornos de maior, a Sarabande chegou a levar os mais cépticos a considerarem a possibilidade de o pianista ter trabalhado a partir de uma edição especial da partitura. Foi então que, num bonito episódio de honestidade, Zacharias se levantou, assumindo o problema que estava a experienciar com Bach, abandonando o palco e regressando daí a instantes, com a partitura na mão. Ultrapassada a questão da memória, persistiu a ausência de arquitectura já referida.

Novamente com Haydn, o pianista mostrou o seu estado de vulnerabilidade, interrompendo o Allegro moderato da Sonata Hob XVI nº 46 para implicar com o fotógrafo que invadia (à distância e em silêncio) o seu campo de visão.

Depois do intervalo, e já na ausência de alguns espíritos mais impressionáveis, o pianista mostrou-se apaziguado, com uma interpretação da Sonata D 845 de Schubert que denotou a sua sensilidade melódica. Embora se esperasse maior profundidade dessa interpretação, o numeroso público não deixou de brindar a prestação do músico com fortes aplausos, de pé, a que Christian Zacharias respondeu com um único número extra-programa.

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