Eutanásia: a favor ou contra?

A favor de uma reflexão séria de uma sociedade amadurecida e consciente, contra imposições políticas obscuras, apressadas e inconsequentes.

“O debate caracteriza-se por uma violenta paixão moral que leva a posições de uma irredutível intolerância”
João Lobo Antunes em Inquietação Interminável, Gradiva, 2010

Muito se tem dividido a opinião pública portuguesa sobre a eutanásia. A dicotomia – quem não é a favor, é contra – é mais sugestiva de posições extremadas do que de uma reflexão aberta a toda a sociedade portuguesa.

Quantos de todos os que têm opinado nos media conhecem as quatro propostas de lei dos partidos PAN, BE, PEV e PS, para despenalizar a antecipação da morte que serão votadas já esta semana?

Quantos sabem que são usadas indistintamente terminologias que não são sinónimos como eutanásia, suicídio assistido ou outras? Que se confunde eutanásia com distanásia e futilidade terapêutica?

Quantos, dos que têm participado nos debates, sabem que não se propõem quaisquer critérios ou procedimentos prévios para verificar a capacidade para o exercício livre da autonomia de quem pede para morrer?

Quantos têm ideia de que é referido que, após a decisão, o próprio terá de “encontrar” um médico que queira prestar esse serviço? E que ao médico não lhe é permitido recusar praticar a morte sem explicar as suas razões naquela situação concreta?

Quantos têm ideia de que são poucos os que têm efetivamente hipótese de escolher entre antecipar a morte ou aguardá-la sem sofrimento? O acesso a cuidados paliativos organizados é uma das maiores inequidades do nosso Sistema de Saúde. E, na verdade, só há exercício livre da autonomia se forem proporcionadas alternativas, de forma equitativa, a todos os que delas necessitam.

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) organizou, durante o ano de 2017, com o patrocínio da Presidência da República, 12 debates públicos intitulados Decidir sobre o final da vida, em várias cidades portuguesas. Estas sessões foram diversificadas, concorridas e interessantes mas ficaram perceptíveis, por um lado, as dúvidas que decorrem da complexidade do tema e, por outro, a falta de informação da sociedade portuguesa.

Ao cidadão português é devido uma discussão mais abrangente de modo a que as posições sejam reflectidas e amadurecidas. Todos devem poder perceber as vantagens e as desvantagens, as razões e os obstáculos de um acto do qual por vezes apenas existe uma visão romântica. 

Apenas a Holanda e a Bélgica despenalizaram a morte assistida. Já em países como a França, a Espanha, o Reino Unido e a Alemanha, o debate sobre a eutanásia valorizou a prudência e evitou legislação apressada indutora de clivagens indesejadas.

Por algumas das razões apontadas, o parecer do CNECV sobre o projeto de lei do PAN conclui que este não reúne as condições éticas para a emissão de parecer positivo. Os outros projetos de lei estão ainda em apreciação pelo Conselho.

Não se deixa de estranhar que a lei que exige que seja pedido parecer ao Conselho de Ética para as Ciências da Vida, é a mesma que o dispensa para a discussão e votação em Assembleia da República.

As dúvidas são muitas, o debate é insuficiente, é cedo para tomar uma decisão definitiva.

Eutanásia: a favor ou contra?

A favor de uma reflexão séria de uma sociedade amadurecida e consciente, contra imposições políticas obscuras, apressadas e inconsequentes.

As autoras escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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