A tempestade per-Trump-feita?

Quem julgasse que a crise da zona euro tinha sido definitivamente ultrapassada decerto foi surpreendido pela abrupta subida das taxas de juro de Itália e de Espanha em poucos dias.

A ordem internacional está sob enorme pressão, em não pequena medida devido à postura da Administração Trump.

As sanções económicas à Coreia do Norte e, mais recentemente, na sequência da denúncia do acordo nuclear com o Irão, a reintrodução das sanções económicas àquele país, num prazo de 90 a 180 dias, ameaçando com severa punição as empresas, mesmo de países aliados, que fizerem negócios com o Irão, colocam sérios problemas a nível político e económico. 

Com efeito, esta decisão da Administração Trump pressiona países como a França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia, que se mantêm, até ver, no acordo com o Irão não o tendo e não o pretendendo denunciar.

Mas, é muito provável que a maior parte das empresas desses países, devido à importância do mercado dos EUA, respeitem a política de sanções económicas dos EUA ao Irão, não realizando quaisquer negócios com este país.

A ser assim, a política externa desses países, num assunto tão importante como um acordo nuclear internacional, é na prática ditada pelos EUA, comprometendo a soberania e a sua “palavra”.

Note-se que Trump e o presidente chinês Xi Jinping concordaram esta semana em levantar a proibição de vendas de empresas americanas à empresa chinesa de telecomunicações ZTE, imposta no mês passado pelo Departamento do Comércio, tendo a empresa chinesa aceite não só pagar uma multa de 1,3 mil milhões de dólares, mas também penalizar funcionários e administradores da empresa responsáveis pela violação das sanções e ainda contratar gestores para verificar o cumprimento de sanções americanas. O acordo entre os dois presidentes tem ainda de ser ratificado pelo Congresso dos EUA. Estima-se que a empresa chinesa ZTE utilize 25% a 30% de componentes, bem como software para telemóveis e tablets, fornecido por empresas americanas. A proibição de compra de produtos americanos poria em causa a viabilidade da ZTE.

O Departamento do Comércio impôs no mês passado a proibição às exportações americanas  porque a ZTE reconheceu que teria enganado os EUA, ao não punir a maior parte dos funcionários responsáveis pela violação das sanções, não cumprindo parte dos termos de um acordo de 2017 em que foi sancionada com uma multa de 1,2 mil milhões de dólares por violação das sanções à Coreia do Norte e ao Irão, ao fornecer, em 2016, microprocessadores, servidores e equipamento de telecomunicações a esses países.

No passado, os EUA também impuseram sanções a empresas europeias por violação de sanções económicas impostas a outros países. Por exemplo, em 2014, o BNP Paribas concordou em pagar 9 mil milhões de dólares por ter violado as sanções económicas ao Sudão, Cuba e Irão. E, já este ano, o BCE forçou o terceiro maior banco da Letónia a encerrar na sequência da proposta de acusação, pelo Departamento do Tesouro dos EUA, ainda em fase de contraditório, de que esse banco teria violado as sanções económicas à Coreia do Norte e promovido lavagem de dinheiro.

Vários grandes bancos europeus têm, na sequência de acordos a que chegaram com as autoridades americanas, funcionários que verificam o cumprimento por esses bancos de normas americanas, nomeadamente relacionadas com lavagem de dinheiro e a transacções com empresas e residentes de países sujeitos a sanções económicas impostas pelos EUA como, por exemplo, Irão, Coreia do Norte e Rússia. Esses custos de compliance oneram a actividade económica desses bancos.

Um dos casos recentes mais interessantes foi a imposição, pelos EUA, de sanções ao oligarca russo Oleg Deripaska, próximo de Putin, e à Rusal (empresa russa), o segundo maior produtor de alumínio do mundo, controlada por aquele oligarca. A Rusal foi obrigada a interromper o fornecimento de alumínio e o preço do alumínio disparou 15%, afectando numerosas multinacionais como a Boeing, a Airbus e a Rio Tinto,  desestabilizando o mercado global de alumínio. As sanções foram retiradas, após Oleg Deripaska ter concordado em reduzir a sua posição accionista na Rusal, mas também provavelmente porque se reconheceu o impacto desproporcional das sanções àquela empresa no mercado do alumínio.

Este é um tema importante que tem estado fora da agenda nacional porque, por um lado, não existem multinacionais portuguesas e, sobretudo, porque as trocas comerciais de empresas portuguesas com países sujeitos a sanções americanas e simultaneamente com presença nos EUA são diminutas.

Na União Europeia, estes desafios não são, porém, de menosprezar e acrescem a uma longa lista de problemas internos. Ao Brexit e à ameaça de uma guerra comercial com os EUA somam-se as alegadas violações de princípios basilares do Estado de Direito dos governos nacionalistas da Polónia e da Hungria, o processo político independentista da Catalunha, a formação de um governo populista em Itália e a possibilidade de queda do Governo espanhol.

E, claro, o maior dos desafios internos da União Europeia, a afirmação (e a sobrevivência) do euro. Quem julgasse que a crise da zona euro tinha sido definitivamente ultrapassada certamente foi surpreendido pela abrupta subida das taxas de juro de Itália e de Espanha em poucos dias. Há quem se comece a interrogar sobre o que acontecerá ao euro após a saída de Draghi da presidência do BCE em Novembro de 2019.

Estas ‘perturbações’ provocadas pela administração Trump ao statu quo internacional, bem como a incerteza causada pelo novo governo italiano, ainda que expectáveis, podem ter consequências inesperadas.

O actual consenso cristaliza um ‘equilíbrio’ político-económico que é, de forma crescente, inaceitável em países como os EUA, Inglaterra e Itália, em certa medida países que perderam mais do que ganharam com este processo de globalização. Partidos ou candidatos populistas com mensagens cada vez mais drásticas tendem a subir ao poder, prometendo colocar em causa esse statu quo. Este processo é um desafio à globalização e afigura-se irreversível. O sistema internacional tem de demonstrar ser capaz de se adaptar e reagir ao descontentamento manifestado por países e povos. De preferência a bem.

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