Eutanásia: carta aberta ao presidente do PSD

Caro Dr. Rui Rio: acredito sinceramente que defende a eutanásia porque acredita que é a melhor maneira de servir o bem-comum. Conceda-nos aos que dizemos não que é com o mesmo ânimo que o fazemos.

Caro Dr. Rui Rio

Foi com estupefacção que li as suas declarações à TSF (conforme constam no site respectivo) e nas quais “lamenta pressões por parte de quem rejeita a eutanásia”. De acordo com as suas palavras essa pressão, exercida por quem se opõe à eutanásia, consistirá em que se procura “trazê-los para a sua posição (do não)” deputados “que possam estar no sim ou que possam estar com dúvidas”. Além disso, nas mesmas declarações diz que sabe “de casos concretos dentro e fora do Parlamento” por parte de quem “quer condicionar a Assembleia da República”. O que também terá dito ofende o princípio de que “é preciso respeito pelo conceito de liberdade de voto em consciência”.

Como disse na minha intervenção no último Congresso do nosso partido (sei que ouviu pelo menos o principio da mesma e procurei que o respectivo texto lhe chegasse às suas mãos), seria bom que nos entendêssemos quanto ao que significa o voto em consciência de um deputado. Socorri-me então do que tinha ouvido ao seu predecessor num colóquio sobre eutanásia organizado pelo nosso grupo parlamentar. Dizia Passos Coelho que o voto em consciência de um deputado não é a expressão de uma tendência pessoal mas o resultado de uma ponderação. A consideração da natureza do mandato parlamentar, do eleitorado que o elegeu, do programa com que se apresentou e das linhas de fractura política do momento. E acrescentou também a consideração com profundidade do benefício social e para o bem-comum da solução proposta.

Dito isto, todos os contributos que os deputados recebam durante os dias que antecedem o debate de dia 29 não são obstáculos, mas sim ajudas ao exercício da liberdade de voto em consciência. São-no a manifestação em São Bento que teve lugar no dia 24 e a que terá lugar esta terça-feira, dia 29, em frente à Assembleia da República. São-no as cartas que os eleitores escrevem aos seus representantes (por alguma razão se fala de mandato) e os contactos que fazem para saber qual a orientação de voto com que podem contar. São-no as reuniões com as estruturas que os escolheram e em que lhes é transmitido o sentir maioritário dos militantes da sua área geográfica. São-no as conversas entre colegas de bancada e com colegas de outras bancadas. São-no as audiências a movimentos cívicos que os procuram sensibilizar para a respectiva posição dando, de boa-fé e com desejo de serviço do bem-comum, as informações e experiências que conhecem. São-no os artigos, reportagens e os debates na comunicação social. São-no os encontros na vida particular e familiar, a história pessoal e as vivências concretas das circunstâncias da doença e do fim de vida do próprio ou dos seus próximos. E um largo etc.

O facto de nas suas declarações à TSF ter referido como sendo excessiva a pressão exercida sobre os deputados é sintomático de que percebe como natural que os cidadãos dêem razões e procurem obter resultados políticos. Mas é sintomático também de que, de facto, o volume de intervenção cívica provocado por este debate excede aquele que normalmente acontece na vida politica corrente. Para isso atrevo-me a uma explicação: a profundidade e densidade do tema que desafia as convicções mais fundas de cada um, a estranheza e rejeição destas propostas pela nossa militância e pelo nosso eleitorado, a amplitude das manifestações opostas às propostas em discussão (ordens profissionais, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, academia e movimentação social) e a incompreensível corrida parlamentar (nem sequer prenunciada na campanha eleitoral ou no programa dos partidos), que num mês agenda a respectiva votação, não espera o parecer do CNECV sobre três das propostas e esquece uma petição que, tendo quase o dobro das assinaturas da de sinal contrário, ficou esquecida nas gavetas de uma Comissão Parlamentar. Uma tempestade perfeita para uma pressão normal (nesta incluída todas as manifestações a favor da eutanásia) poder parecer excessiva...

Caro Dr. Rui Rio: acredito sinceramente que defende a eutanásia, como nos últimos dias escreveu numa revista e publicou num livro, porque acredita que é a melhor maneira de servir o bem-comum. Conceda-nos aos que dizemos não que é com o mesmo ânimo que o fazemos. E no caso dos social-democratas que estamos envolvidos nesta campanha fazemo-lo também convencidos que assim melhor servimos o nosso partido e, servindo-o, serviremos Portugal.

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