Será desta?

Há nove anos que a investigação judicial da mega rede de corrupção a que se chamou Gürtel vinha revelando a natureza intrinsecamente corrupta do domínio político que o PP de Rajoy assumiu durante décadas.

Já não era sem tempo! O Governo Rajoy, o mais anómalo dos governos do pós-Transição espanhola, pode finalmente cair depois de o PSOE ter anunciado ontem a apresentação de uma moção de censura que, além de contar com o voto das esquerdas confederais espanholas (Unidos Podemos), basca (EH Bildu) e valenciana (Compromís), deverá contar com os votos (tão incómodos para o PSOE) dos independentistas catalães, faltando apenas confirmar o que farão os nacionalistas bascos moderados (PNV). Há nove anos que a investigação judicial da mega rede de corrupção a que se chamou Gürtel vinha revelando a natureza intrinsecamente corrupta do domínio político que o PP de Rajoy assumiu durante décadas em governos regionais como os de Madrid, Comunidade Valenciana, Galiza ou Baleares, e, desde 2011 no governo central espanhol. Agora que se reivindicará a plenos pulmões a redignificação das instituições democráticas, era bom que recordássemos alguns dos fatores revelam a profunda degradação que vive o regime espanhol:

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Já não era sem tempo! O Governo Rajoy, o mais anómalo dos governos do pós-Transição espanhola, pode finalmente cair depois de o PSOE ter anunciado ontem a apresentação de uma moção de censura que, além de contar com o voto das esquerdas confederais espanholas (Unidos Podemos), basca (EH Bildu) e valenciana (Compromís), deverá contar com os votos (tão incómodos para o PSOE) dos independentistas catalães, faltando apenas confirmar o que farão os nacionalistas bascos moderados (PNV). Há nove anos que a investigação judicial da mega rede de corrupção a que se chamou Gürtel vinha revelando a natureza intrinsecamente corrupta do domínio político que o PP de Rajoy assumiu durante décadas em governos regionais como os de Madrid, Comunidade Valenciana, Galiza ou Baleares, e, desde 2011 no governo central espanhol. Agora que se reivindicará a plenos pulmões a redignificação das instituições democráticas, era bom que recordássemos alguns dos fatores revelam a profunda degradação que vive o regime espanhol:

1. Replicando o que acontecera com Berlusconi, o PP ganhou as eleições de 2011 com maioria absoluta já o escândalo de corrupção, revelado em 2009, tinha levado à acusação de dezenas dos seus dirigentes. Milhões de espanhóis não tiveram problema algum em confiar o poder a uma elite tão evidentemente corrupta como esta. Perdida a maioria absoluta e 40% dos seus votos nas eleições de dezembro de 2015, o PP continuou a governar perante o impasse político que resultou (e resulta ainda) da recusa do PSOE em adotar a mesma estratégia que, nesse momento, o PS português assumira, aceitando negociar à esquerda uma solução de governo que, para ser viável em Espanha, precisava de um mínimo de negociação (sobre um referendo vinculativo) com os independentistas catalães. Em plena crise catalã, e apesar da mancha de óleo de acusados por corrupção dentro do PP, os socialistas (eles próprios a braços com várias investigações por corrupção no governo andaluz) deixaram que Rajoy permanecesse sozinho no poder, mantendo intacta a sua capacidade de, dispondo do governo e da densa rede de interesses da direita espanhola, interferir nos processos judiciais, como se viu nos avanços e recuos do caso Gürtel e se vê no caso catalão.

2. As eleições de junho de 2016 deixaram tudo na mesma: o PP sem maioria absoluta, o PSOE voltando a perder votos mas mantendo a possibilidade de articular uma maioria alternativa à direita do PP e dos Ciudadanos desde que aceitasse negociar com o Unidos Podemos e os catalães. Há um ano, o PSOE já poderia ter levado à queda do governo se tivesse votado a moção de censura que o Podemos apresentou. A sentença judicial de anteontem, que condena pesadamente vários implicados e o próprio PP por participação na rede, funcionou de pretexto para obrigar o PSOE a sair da sua imobilidade, intimidado que está com a questão catalã.

3. Os fãs europeus desse partido nacionalista e populista que é o Ciudadanos, que a maioria dos media gosta de definir como "liberal", deveriam refletir sobre a atitude destes "campeões da anticorrupção" que, anunciando votar contra a moção de censura, se recusam a deixar cair Rajoy e vários governos regionais do PP, apesar de uma década de provas acumuladas contra este. Monocordicamente centrados no único debate que lhes traz votos (o da Catalunha, contra cujo independentismo movem uma guerra que supera em agressividade a do resto da direita), os Ciudadanos limitam-se a querer fagocitar o voto nacionalista espanhol que o PP controla ainda.

4. É paradigmático que a mais grave e longa crise política espanhola desde 1981 possa produzir uma catadupa de prisões preventivas e sem fiança para independentistas catalães, mas que o PP tenha podido esperar nas cadeiras do poder uma sentença desta natureza; ou que, sempre no âmbito do topo do regime, um cunhado do rei tenha já sido condenado por corrupção a seis anos de cadeia mas, ao fim de sete anos de investigação, espere tranquilamente na Suíça o resultado do recurso que interpôs no Supremo. Sócia dele, a sua mulher, Cristina de Borbón, foi simplesmente absolvida. Que a investigação tenha revelado, em 2010, a existência de uma contabilidade oculta no PP, sistematicamente organizada, segundo a sentença judicial que acaba de sair, "pelo menos desde 1989", para pagar mensalmente dezenas de altos dirigentes do PP, a começar pelo próprio Rajoy, quantias sem justificação legal alguma, não declaradas ao fisco, revela bem a natureza do poder político espanhol.