“Viajar” (no tempo certo) … Da “escola que temos” para a “escola que queremos”

Ao refletirmos em torno do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC) e da proposta de Decreto-Lei que está para ser publicada, tendo como objeto a revisão do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, e que foi ontem aprovada em Conselho de Ministros, ocorre-nos uma palavra – “viajar”.

Com efeito, estamos no tempo certo de uma “viagem” de mudança. Da “escola que temos” para a “escola que queremos”. A viagem está em curso e importa continuar a fazê-la. Porque é uma “ponte” de passagem. De uma escola de índole disciplinar para uma escola que olha as disciplinas de modo “menos disciplinado”, mas valorizando os saberes disciplinares através do trabalho interdisciplinar a par da aposta no trabalho de projeto e de outras metodologias que valorizam o papel dos alunos enquanto autores do currículo aprendido. Ou seja, como afirma Santos, ME (2014)[1], uma escola onde se aprende a aprender, a pensar, a avaliar, a saber protestar, a questionar os nossos preconceitos, a conviver, a escutar os outros, a protelar juízos, a harmonizar os interesses individuais com o interesse coletivo, a gerir dificuldades, a negociar, a comunicar, a argumentar, a apreciar o valor da democracia, dos direitos humanos, da solidariedade, da equidade, da tolerância, do empenho na construção coletiva do bem comum e de um mundo melhor. Dito de outra forma – uma escola que insere a construção da cidadania no ensino disciplinar. Uma visão de escola mais humanista, solidária e tolerante. Que faz da ética de responsabilidade e de solidariedade, o objeto e o sentido da sua ação.

Há múltiplas e diversificadas linhas de rumo para fazer a “viagem” entre a “escola que temos” e a “escola que queremos”.

“Viajando” entre o que a escola é e o que poderia vir a ser, fica uma ideia chave, qual “bússola” – revalorizar a escola é essencial.

Seguindo a linha de pensamento da autora acima citada, há várias formas de o fazer – não esquecer os edifícios escolares; melhorar as condições de trabalho escolar; reapetrechar o parque informático; rever os orçamentos das escolas; redefinir o número de alunos por turma; olhar para o pulsar do mundo atual; garantir uma real e vinculante igualdade de oportunidades a alunos e professores; valorizar e dignificar a carreira docente; repensar a formação contínua dos docentes; avaliar o seu desempenho; conjugar a escola com outras modalidades educativas, formais, informais e não formais; moldar o currículo às necessidades; mudar os modelos educativos; refletir sobre mudanças no universo dos conhecimentos e sobre formas de os lecionar, inovando as práticas escolares; apostar na vertente formativa da avaliação e na diversificação dos seus instrumentos; revisitar formas de mediação escolar que fortaleçam o desenvolvimento pessoal e social.

Não queremos desmerecer os diversos e possíveis requisitos de revalorização da escola.

Hoje, nesta “viagem”, o nosso olhar projeta-se para uma ação mais próxima, imediata e exequível. Falamos do projeto de Decreto-Lei sobre a revisão do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho sustentado no projeto piloto por mais de 200 escolas.

Esta proposta de Decreto-Lei desenha uma visão articulada e sistémica do currículo. Preconiza uma articulação estreita entre o currículo e a avaliação. Aproxima autonomia e gramática escolar, para assegurar respostas adequadas aos desafios da sociedade educativa. Consubstancia no seu todo um novo paradigma de organização da atividade educativa. Que confere novo significado ao currículo, ao desenvolvimento curricular, ao sucesso educativo, ao papel do aluno e do professor e à própria avaliação. O projeto de Decreto-Lei desenha a “escola que queremos”. Procura dar resposta mais adequada aos desafios colocados pelo Perfil dos Alunos, à garantia de mais inclusão e equidade num compromisso claro com desígnio de preparar alunos que serão jovens e adultos em 2030.

As disciplinas podem passar a ser, de forma progressiva, crescente, ensinadas numa perspetiva interdisciplinar. O modelo preconizado, não sendo ideal, permite às escolas gerir até 25% do currículo, tendo em conta a realidade de cada uma. Trata-se de reforço efetivo da autonomia das escolas – há a possibilidade de as escolas se organizarem, como decidirem, na gestão de (até) 25% do currículo. Permite-lhes, conforme o entendam, fundir disciplinas, trabalhar em Domínios de Autonomia Curricular (DAC).

Pode investir-se em práticas de coautoria da gestão curricular e de co-construção do saber e da cidadania que articulem a educação escolar com a educação não escolar. Pode olhar-se para as disciplinas de um modo menos disciplinado, expandir direitos cognitivos, valorizar conhecimentos escolares selecionados com critério e competências para os manejar.

O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória assume-se como horizonte e das aprendizagens essenciais como referente, numa tentativa de combater as dificuldades sentidas por todos os atores educativos sem exceção, no que diz respeito à extensão dos programas curriculares e à complexidade das metas curriculares. Assumem-se assim as Aprendizagens Essenciais não como aprendizagens mínimas, mas antes como estruturantes do currículo a desenvolver e a apreender.

Este projeto de Decreto-Lei vem dignificar o papel do docente, reforçando-o. Garante melhoria das suas condições de trabalho, ao considerar como componente letiva, todas as componentes do currículo, ainda que limite as opções das escolas ao atribuir parte significativa do mesmo ao crédito horário.

Dá às escolas a capacidade de desenvolverem planos próprios como estratégia potenciadora de melhores aprendizagens para todos, assegura flexibilidade enquanto instrumento para a contextualização de práticas pedagógicas a problemas locais e para a gestão de um currículo mais integrado, menos prescrito. Aponta para a mobilização de múltiplas literacias, no sentido de fomentar o desenvolvimento de competências de informação, comunicação, colaboração e de resolução de problemas. Garante um reforço das expressões artísticas.

Fazer esta viagem é desafiar. Mas também é investir.

Desafiar a escola, investindo no currículo, na transformação das práticas educativas e na melhoria dos processos de ensino.

Desafiar os alunos, investindo na sua motivação, imaginação e envolvimento.

Desafiar os professores, investindo na sua autonomia, criatividade e reconhecimento.

Esta é uma viagem com um trajeto desejável e transformador. Para as gerações futuras.

Diretor do Agrupamento de Escolas de Colmeias (Leiria)

[1] Obra citada Que Escola? Que educação? Para que cidadania? Em que escola, de Maria Eduarda Vaz Moniz dos Santos, Edições Alfarroba (2014).

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