Trump troca uma cimeira por uma carta

Haveria alguém, ao cima da Terra, que acreditasse numa negociação em que uma das partes (como foi referido por Pompeo) tinha zero de concessões a fazer e a outra entregava de mão beijado o seu único ás?

Haveria alguém, neste mundo, que acreditasse que a liderança da Coreia do Norte fosse desmantelar o seu arsenal nuclear e deixasse que no Sul continuassem intactos centenas ou milhares de misseis nucleares prontos a atingirem o Norte ou a servirem de chantagem para a sua rendição?

Haveria alguém, neste mundo, que acreditasse que Kim Jong-un e os seus correligionários fossem desmantelar o seu arsenal nuclear com base em promessas sem qualquer garantia de que se efetivassem?

O Sul sabe que precisa dos EUA, mas também sabe que em caso de conflito nuclear a Coreia no seu conjunto ficará reduzida a montes de escombros, bem se sabendo que em matéria de novas tecnologias e na indústria automóvel competem diretamente com os EUA.

A Coreia do Sul não quer ficar à mercê de Trump, sempre imprevisível e arrogante. É legítimo pensar que o Sul ainda queira, tal como o Norte, desnuclearizar toda a Península, afastando deste modo as possibilidades sempre reais de um conflito nuclear.

No fundo, as duas Coreias ficariam livres desse pesadelo e libertariam recursos para outros fins.

A viagem súbita e inesperada de Moon Jae-in a Washington logo que Kim Jong-un adiantou a hipótese de um adiamento da cimeira com Donald Trump mostrava a importância que tinha para aquele país a realização da cimeira.

Não era credível que Kim Jong-un tivesse aceitado a cimeira com Trump com base no seguinte pressuposto: liquidar o arsenal nuclear, sem mais nada da outra parte.

Podia haver “bluff” dos dois lados. Do lado da Coreia do Norte para se apresentar com outro estatuto na comunidade internacional e, do outro lado, para amortecer o choque da declaração a rasgar o acordo nuclear como Irão e os restantes países signatários.

A Coreia é uma nação milenar, com uma cultura ímpar, que enfrentou poderosos inimigos ao longo da sua história. Tem passado. Sabe o que é uma negociação, podendo, como todos os negociadores, fazer uma má avaliação dos seus trunfos, tanto do lado Norte como do Sul. Mas também tal erro era possível por parte de Donald Trump, sobretudo se partir para as negociações com imposições que para Kim Jong-un eram inaceitáveis.

Haveria alguém, ao cima da Terra, que acreditasse numa negociação em que uma das partes (como foi referido por Pompeo) tinha zero de concessões a fazer e a outra entregava de mão beijado o seu único ás?

Em linguagem simples, o que o secretário de Estado propôs à Coreia do Norte foi a rendição pura e simples e não uma negociação. Era de crer que Kim Jong-un aceitasse?

Não era de esperar que o regime coreano aceitasse pura e simplesmente desmantelar o seu arsenal nuclear, sem ter garantias de que não ficava à mercê dos EUA, que têm cerca de 30 mil soldados e armas nucleares estacionadas no Sul.

Admite-se como muito provável que o Presidente Moon Jae-in quisesse afastar um perigo enorme que sobre o Sul recai, em caso de conflito. Se o Norte desmantelasse o seu arsenal, se na parte Sul deixasse de haver armas nucleares, era claro que haveria um alívio para toda a península. E os vizinhos também poderiam respirar melhor, dado que a China, o grande vizinho, a última coisa que deve desejar é um conflito na sua fonteira; tal como a Rússia.

Kim Jong-un quis assegurar que ficaria à frente do Norte para negociar com o Sul, muito mais desenvolvido e poderoso. Seria possível esta última hipótese? Era a única possível para afastar o perigo de guerra.

Trump nada tinha para negociar com a Coreia do Norte. Zero, como afirmou Pompeo. Como Kim Jong-un não se rendeu, voltará a linguagem da guerra, que costuma trazer maus tempos. O mundo fica agora mais perigoso.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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