Referendo histórico liberaliza o aborto na Irlanda

Duas sondagens situam o apoio à mudança da Constituição nos 68% e 69%, num referendo muito participado. Campanha pelo "não" já assumiu derrota.

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Os irlandeses votaram de forma esmagadora a favor da legalização do aborto, de acordo com as projecções reveladas após o fecho das urnas. Os votos ainda estão a ser contados, mas restam muito poucas dúvidas.

O resultado representa o culminar de uma "revolução silenciosa que ocorreu nas últimas décadas" num país que tinha um dos regimes mais restritivos para a interrupção da gravidez, afirmou o primeiro-ministro Leo Varadkar, que esteve na linha da frente no apoio à liberalização.

O principal grupo da campanha contra a legalização do aborto já concedeu a derrota no referendo da Irlanda. "Não há perspectiva que a legislação não venha a ser aprovada", admitia esta manhã o porta-voz da campanha contra a legalização, John McGuirk, citado pela Reuters.

A Irlanda acorreu às urnas em peso, para decidir se mudava uma norma constitucional que impedia o aborto e, segundo as primeiras sondagens, logo após o fecho das urnas (às 22h), os eleitores votaram maioritariamente pela mudança. Segundo a primeira sondagem realizada pela Ipsos/MRBI para o jornal Irish Times, divulgada minutos depois de as urnas terem fechado, o "sim" ganhou por 68%, contra 32% para o "Não". 

Estes números são baseados em 4000 inquéritos realizados à boca das urnas em 160 estações de voto. A margem de erro é de mais ou menos 1,5%. Ainda não há números da taxa de participação, mas admite-se que a abstenção foi historicamente baixa.

Segundo o Irish Times, as projecções apontam para a vitória do "Sim" por 77% em Dublin. Terá sido na capital onde mais eleitores expressaram apoio à mudança. Porém, uma análise do mesmo jornal sustenta a ideia de que este resultado não assenta nuns quantos sectores da sociedade, mais urbanos e liberais. Uma vitória tão larga demonstra "um desejo tão esmagador quanto imprevisto", até porque a projecção aponta para "uma distribuição uniforme do voto no Sim por todo o país e por todas as faixas etárias, com excepção dos eleitores com mais de 65 anos".

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Alguns minutos depois, uma outra projecção feita para o canal RTE apontava para resultados semelhantes: 69% de votos no Sim, 31% no Não.

Os resultados definitivos começarão a ser apurados no sábado de manhã, mas na Irlanda acredita-se que, seja qual for a diferença de percentagens, a mudança na legislação é uma certeza. À luz do que o executivo irnlandês propõe, as mulheres irlandesas passarão a poder interromper uma gravidez nas primeiras 12 semanas, com assistência médica certificada. Os profissionais de saúde terão o dever legal de debater a opção pelo aborto com a requerente, que deve respeitar um período de três dias de reflexão. Findo este prazo, se mantiver a sua vontade, poderá então realizar-se a interrupção da gravidez.

Em circunstâncias específicas, o aborto poderá ser realizado numa gravidez que já conte mais de 12 semanas, especificamente nos casos em que haja grave risco de saúde ou mesmo de morte para a progenitora. Nessas situações, o governo pretende que sejam consultados dois profissionais de saúde certificados para decidirem se o aborto deve ser permitido. 

Participação elevada

Duas horas antes de as urnas encerrarem, as estimativas apontavam para a maior participação eleitoral dos últimos três anos, pelo menos, e como previa o primeiro-ministro irlandês a grande adesão ao voto impulsionou o resultado do "Sim", o lado dos que querem uma lei menos conservadora.

De acordo com a agência Reuters, a participação era elevada em Dublin, e também noutras cidades e áreas menos urbanas do país, onde se registaram longas filas de espera desde que as urnas abriram, às 6h desta sexta-feira. Tal cenário levava analistas citados pela mesma agência a preverem que a participação eleitoral poderia suplantar a do referendo ao casamento gay, decidido em 2015, quando 61% dos eleitores manifestaram a sua opinião nas urnas.

"Não dou nada por garantido, mas estou tranquilamente confiante", comentou o líder do executivo de Dublin. "Uma elevada taxa de participação seria vantajosa para o lado do 'Sim'", defendeu o governante, que convocou este referendo e o apelidou como "a oportunidade de uma geração" para mudar.

O que estava em causa

Em concreto, no boletim de voto era perguntado aos eleitores se eles defendem mudar ou manter a frase fundamental da 8.ª emenda à Constituição irlandesa, introduzida em 1983. No essencial, esta alteração reconhece e concede a um nascituro o mesmo direito à vida que é reconhecido à mãe, atribuindo ao Estado a obrigação de defender esse direito à vida da criança ainda por nascer. E na prática desembocou numa situação que manteve as mulheres irlandesas proibidas de abortar, uma proibição que acabaria por ser parcialmente levantada três décadas depois, em 2013, mas só para certos casos em que a progenitora corre risco de morrer.

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O primeiro-ministro Leo Varadkar no momento em que votava REUTERS/Max Rossi

Marcada pela doutrina social da Igreja, a Irlanda legalizou o divórcio em 1995, por uma pequena maioria de votos, e tornou-se o primeiro país a legalizar por referendo o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, em 2015. Porém, nenhum tema social divide mais a população de 4,8 milhões de irlandeses como o da interrupção voluntária da gravidez.

A solução para mulheres irlandesas tem sido viajar até Inglaterra, no caso de pretenderem fazer um aborto – um direito igualmente estabelecido por referendo, em 1992, visto que também era proibido. Segundo números oficiais, todos os anos há cerca de 3000 mulheres a atravessarem a fronteira irlandesa para interromperem uma gravidez.

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