Macron na Rússia para salvar acordo com o Irão sem abrir os braços a Putin

Presidente francês quer convencer Moscovo a aceitar um acrescento ao acordo para aliciar os EUA, e o Presidente russo vê uma oportunidade para se reaproximar da Europa.

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A visita de Macron acontece à margem do Fórum Económico Internacional LUSA/DMITRI LOVETSKY/POOL

As relações entre a Rússia e as maiores potências europeias degradaram-se nos últimos anos, com a anexação da Crimeia, mas as recentes decisões da Administração Trump parecem ter aberto um novo caminho para o diálogo. As movimentações desta semana são um exemplo disso: depois de a chanceler Angela Merkel ter viajado até Sochi, na sexta-feira passada, o Presidente Emmanuel Macron chegou esta quinta-feira a São Petersburgo, em mais uma etapa da corrida para salvar o acordo sobre o programa nuclear do Irão.

Nos encontros à margem do fórum económico realizado todos os anos na segunda maior cidade do país, quinta e sexta-feira, Macron e Putin vão discutir a situação na Síria e na Ucrânia e o estado das relações entre a Rússia e a União Europeia (UE), mas há um assunto que se sobrepõe a qualquer outro, e que une Moscovo, Paris, Berlim e Londres: a preocupação com as consequências da saída dos Estados Unidos (EUA) do acordo sobre o programa nuclear do Irão, anunciada a 8 de Maio.

Macron espera convencer Putin a incluir no acordo de 2015 limitações ao programa de mísseis do Irão, uma exigência da Administração Trump que o Governo iraniano vê como uma ingerência no seu direito à autodefesa. Aliás, o acordo de 2015 só foi possível porque as partes envolvidas deixaram de lado exigências como essa – e a Rússia não tem mostrado vontade para influenciar o Irão a mudar de posição.

É um momento importante para se perceber até que ponto as grandes crises mundiais podem ser resolvidas, ou atenuadas, sem o envolvimento dos EUA, mas é também uma oportunidade para o Presidente russo encurtar a distância que o separa dos líderes europeus sem recuar em temas como a anexação da Crimeia – afinal, o acontecimento que deu origem a sucessivas ondas de sanções aplicadas pela UE e pelos EUA.

"Quanto mais tensão o Presidente norte-americano, Donald Trump, faz sobre as alianças que mantêm a ordem do pós-Guerra Fria, mais indispensável parece ter-se tornado o Presidente Vladimir Putin", escreve o colunista Henry Meyer no site Bloomberg.

"A Rússia é um dos maiores beneficiários da decisão de Trump sobre o Irão. Putin sente que há uma oportunidade para dividir o Ocidente e escapar ao estatuto de pária", reforça Cliff Kupchan, presidente do Eurasia Group.

Neste contexto, poucos esperam que a visita de Macron sensibilize Putin para a situação na Ucrânia e na Síria, mas o cenário de uma frente unida contra a ameaça de sanções dos EUA ao Irão, que poderá traduzir-se numa pequena melhoria das relações com a UE, agrada a Moscovo.

Ainda que Rússia, China, Alemanha, França e Reino Unido garantam que vão manter-se fiéis ao acordo, é essencial que todos os países encontrem uma solução para uma consequência prática da saída dos EUA: a aplicação de sanções secundárias a empresas europeias que queiram fazer negócios com o Irão.

Esta ameaça norte-americana levou várias multinacionais a suspenderem acordos milionários, e o Governo de Teerão já deixou bem claro que também abandonará o acordo se não puder receber o dinheiro estrangeiro para reanimar a sua economia.

O abandono do acordo por Washington, e a ameaça da aplicação de sanções ao Irão, podem ser aproveitados pela Rússia para afastar ainda mais a UE dos EUA: "Os interesses russos e franceses estão a coincidir. E os russos nunca desperdiçam uma oportunidade para dividir o Ocidente", disse Michael Duclos, um antigo embaixador de França em Damasco, ao Financial Times.

Mas a hipótese de o Irão, um aliado da Rússia, vir a ser atirado para o caos político e social por causa dos efeitos dessas sanções na sua economia também funciona como um trunfo na manga de Emmanuel Macron, escreve o mesmo jornal, citando um conselheiro do Presidente francês: "Perante a forte pressão dos EUA, é do interesse da Rússia apoiar o plano do Presidente francês."

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