Redes sociais — ou será melhor dizer redes de pesca?

Quando eu era mais nova, havia aquele jogo de apanhar os peixinhos com a cana de íman. Lembram-se? Agora a pesca é outra.

Flávia é formada em Turismo e fascinada pelo poder da criatividade na arte
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Dado Ruvic

O que são as redes sociais senão meras redes de apanhar peixe? O peixe somos nós. E somos apanhados dia após dia. Crianças, adultos, todos nós caímos na armadilha do isco. É verdade que as profissões tendem a evoluir ao longo do tempo, e a pesca não é excepção. É também verdade que muitos de nós já utilizou a expressão da gíria “Dedica-te à pesca!”. Mas não era preciso levar isto tão a sério. É desnecessário. É que nesta pesca social, assim como na pesca tradicional, apanha-se de tudo um pouco. Nem sempre é um bom robalo, muitas vezes é uma singela faneca. A caldeirada também costuma sair bem, e às vezes é com cada caldeirada que até leva pessoas a saltar da rede. Se calhar é o melhor que fazem, saltar para a liberdade. Sim, porque dentro da rede estás sempre preso. Preso à ilusão de liberdade, ao egoísmo, e ao egocentrismo.

Preso aos likes do Facebook e aos corações do Instagram. No Facebook sempre foi um pouco arriscado reagir com um coração a uma foto, mais seguro o like. Mas agora no Instagram é corações com fartura. Ainda sou do tempo em que, para curtir um tweet no Twitter se usava uma estrela, agora também já é com coração. Os tempos mudam mas querem manter-nos presos. Presos ao amor fácil, falso e ilusório das redes. E sabem porquê? Porque eles sabem que nós gostamos e que este é o isco certo. Os peixes vão sempre em busca do isco, e nós também.

E este isco, quer queiramos quer não, é perigoso. Como qualquer isco, na verdade. O isco dita o fim para um peixe, ditará também o fim para o utilizador da rede social? A verdade é uma: cada vez mais ligados à rede social, cada vez mais desligados da vida real. Sim, leram bem, vida real, porque aquilo é tudo menos real. É tudo menos verdade, são máscaras de personalidade, ficção paralela à vida, onde impera com abundância a falsidade e o exibicionismo. Momentos que se perdem, para dar lugar a momentos com filtros, descrições estilo Shakespeare do século XXI, e hashtags #super #híper #mega #criativas. Tudo em volta do ser egocêntrico, na espera do reconhecimento e do elogio imediato, num estado de carência subentendido.

Ansiedade por likes e mais likes e depressão resultante da vivência de vidas alheias ao invés da própria vida, sa~o algumas das sequelas para o utilizador da rede social. Porque a vida do outro acaba por nos parecer mais interessante e mais perfeita (nem que por vezes falsa). E o que fazemos é tentar copiar essas vidas “perfeitas”, se possível ainda superar essa perfeição, mas seguindo o cardume, com falta de diferenciação e criatividade. Privamos assim de viver a nossa vida, para assistir às famosas novelas sociais, com protagonistas que enfatizam o eu de forma exorbitante, em enredos que se apresentam saturados. Novelas estas muito mais trágicas do que qualquer novela de Tv.

“— Viste a foto da Sara ontem?

— Qual? Aquela que só dava para ver as pernas e o mar ao fundo?

— Sim, essa.

— Ah, essa vi! Top! 

— E aquela do pequeno-almoço healthy?

— Ui, essa então. Demais! A junção do kiwi com as sementes de sésamo ficou divinal

(Conversas e mais conversas geradas acerca de conteúdo de elevado interesse.)

Como em qualquer tipo de novela, estes protagonistas de novela social permitem que espectadores virtuais possam aceder e comentar toda a sua história, através da exagerada exposição de vida privada. Assim, toda esta nova “arte” performativa não consente um relacionamento entre privacidade e redes, mas faculta uma nova visão de palco/local de representação. Este moderno palco é virtual, tem representação, performance, e continua a conquistar público, que gosta e espera ansiosamente pela criação de um “Emmy Social”. Uma ideia que fica para o futuro, ou quem sabe uma certeza.

Findando, uma rede social é assim um paradoxo que nos torna cada vez menos sociais na vida propriamente dita. Na vida que realmente importa, sabem? Senão expliquemos os divertidíssimos encontros com amigos e família onde o telemóvel assume o seu papel principal numa conversa presencial que se torna inexistente, para dar origem a conversas puramente touch. Estamos lá apenas como corpos presentes, robots aficionados a um smartphone. Num constante vício, que se torna hábito. Como se de uma necessidade se tratasse.

É esta a realidade, é isto que acontece quando se morde o isco.

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