Saída de uma centena de enfermeiros no Santa Maria reduz camas e condiciona serviços

Desde o início de 2018, saíram 103 enfermeiros do Hospital de Santa Maria, mas só foram contratados 49 no mesmo período. As denúncias à falta de profissionais de saúde – sobretudo enfermeiros – têm crescido nas últimas semanas.

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Alguns profissionais de saúde têm vindo a defender que a solução está na contratação de mais enfermeiros RUI GAUDÊNCIO

Após a saída de cem enfermeiros do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, houve algumas alterações na instalação hospitalar: um sector de cirurgia encerrado temporariamente, uma unidade de pediatria transferida para outro piso com menos camas, consultas e tratamentos em risco por falta de profissionais. Apesar de terem saído 103 enfermeiros desde o início do ano – 64 para centros de saúde e 39 por rescisão de contrato –, foram apenas feitas 49 novas contratações, avança o Diário de Notícias (DN) nesta terça-feira.

Os dados consultados pelo DN mostram que existem 6276 profissionais no Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN, entidade que integra o Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente): 1859 enfermeiros e 1521 médicos, 127 deles internos. Na Europa, há um rácio de cinco enfermeiros para cada médico, mas no CHLN o rácio é de 1,2 profissionais de enfermagem para cada médico.

Mas pode ser menos: “Por exemplo, na consulta de ginecologia há duas enfermeiras para quatro médicos, se alguma falta ou fica doente, o trabalho fica posto em causa”, disse um médico do Hospital de Santa Maria ao DN, denunciando ainda “uma diminuição geral do número de enfermeiros”. Os profissionais ouvidos pelo DN dizem que essa diminuição se reflecte num maior número de horas a trabalhar, mesmo sem o consentimento dos enfermeiros, e no aumento de baixas médicas – mas também nos serviços de saúde prestados aos utentes.

O encerramento temporário do sector da cirurgia denominado 1B (para permitir dar resposta aos cuidados de enfermagem da área cirúrgica em geral, diz fonte do hospital) fez com que houvesse um corte de 22 camas. Quanto à reestruturação da unidade de nefrologia pediátrica (tratamentos dos rins), o Hospital de Santa Maria garante ao DN que “tem dado resposta às necessidades nesta área e permitiu em simultâneo distribuir os enfermeiros por outros pisos da pediatria, da qual saíram na globalidade 15 enfermeiros”.

Tratamentos adiados

Há duas semanas, o director de Oncologia do Hospital de Santa Maria referia que o serviço não tem capacidade para dar resposta a toda a procura; além da falta de recursos clínicos, Luís Costa apontava também a falta de espaço físico no serviço. Em alguns casos, já houve tratamentos adiados por uma semana, o que Costa considera ser preocupante já que “todos os tratamentos em cancro são urgentes”.

“É preciso mais pessoas que façam outro tipo de funções para libertar médicos de funções que não são médicas”, concluía. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o número de médicos sem especialidade a trabalhar nos hospitais começou a crescer em 2015 e aumentou 40% em 2016, passando de 534 para 748. O maior aumento, entre 2015 e 2016, aconteceu nos hospitais públicos. Ainda assim, nos privados, trabalhavam 147 médicos indiferenciados em 2016 (mais 37,3% do que no ano anterior).

No sábado passado, algumas centenas de enfermeiros concentraram-se junto ao Palácio de Belém, em Lisboa, para pedir ao Presidente da República que interceda junto do Governo para que haja investimentos na Saúde, sobretudo na contratação de profissionais. O representante do Movimento Nacional de Enfermeiros, Nuno Alpalhão, justificava à Lusa que “a saúde, em Portugal, tem muita falta de recursos humanos e muitos serviços [que] estão em dotações mínimas, o que mete em perigo a segurança dos doentes”. Marcelo Rebelo de Sousa comprometeu-se a analisar o documento entregue pelos profissionais de saúde e a discuti-lo posteriormente com o Governo.

Vários hospitais em risco de fechar serviços, diz sindicato

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) advertiu, por seu lado, que além do Hospital de Santa Maria há vários hospitais que poderão vir a encerrar serviços porque o Governo não autoriza a contratação de enfermeiros. Em declarações à agência Lusa, Guadalupe Simões disse que o que se está a acontecer no hospital de Santa Maria está a passar-se na maior parte dos hospitais portugueses, como por exemplo no Hospital da Cova da Beira, no Centro Hospitalar do Porto e na Unidade Local de Matosinhos.

"O Santa Maria já encerrou um serviço de cirurgia, mas prevê-se que noutros hospitais possam vir a ser encerrados serviços resultado daquilo que é a não autorização do Ministério da Saúde e Ministério das Finanças de contratar enfermeiros", avançou.

De acordo com Guadalupe Simões, se não forem contratados enfermeiros, a Unidade Local de Saúde de Matosinhos pode vir a ter que encerrar serviços assim como o Centro Hospitalar do Porto. "Estamos a falar de grandes hospitais nas grandes cidades. Nos hospitais no interior ainda é mais grave porque a oferta é menor. A Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, o Centro Hospitalar Médio Tejo, o hospital da Cova da Beira, todos estes hospitais estão numa situação de pré-ruptura e o Ministério da Saúde está a assistir a isto quase de forma passiva", disse.

Na opinião de Guadalupe Simões, a situação vai-se agravar com a passagem dos enfermeiros com contrato individual de trabalho a 1 de Julho para as 35 horas. "Todas as instituições reportaram para o Ministério da Saúde a necessidade de contratar enfermeiros decorrente dessa situação e hoje quando analisamos o balanço social dos hospital entre Outubro de 2017 e Abril deste ano (que são os dados disponíveis) na sua maioria todos perderam enfermeiros, têm hoje menos enfermeiros do que em Outubro de 2017 e estamos a dois meses da entrada em vigor de uma lei que foi negociada e recebeu o aval do Ministério das Finanças para que se concretizasse e é na situação que estamos hoje de pré-ruptura e que rapidamente vai entrar em ruptura", considerou.

Segundo a dirigente do SEP, a situação não se resolve sem a contratação de enfermeiros. "O que é estranho e deveras preocupante é que o governo na negociação da passagem dos enfermeiros para as 35 horas impôs que esta medida entrasse em vigor a 1 de Julho contrariamente à nossa exigência precisamente para durante estes primeiros seis meses do ano se fizesse um plano de contratação de enfermeiros em função das necessidades", disse.

Guadalupe Simões diz que essas reuniões nunca se concretizaram, tendo estado marcadas várias vezes, mas que foram desmarcadas pelo Governo. "O que se assiste é a uma série de obstáculos na contratação. Não se contratam enfermeiros de forma efectiva, não há autorização para substituir enfermeiros com ausências prolongadas desde que sejam contratos de trabalho em funções públicas e mesmo nos contratos individuais de trabalho só estão a ser substituídas as enfermeiras com licenças de parentalidade, mesmo estes contratos no que diz respeito às ausências por motivo de doença não estão a ser autorizadas as substituições. É o caos que está instalado", concluiu.

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