Pedro Crespo: “A área da tecnologia não está a produzir pessoas suficientes para dar vazão ao mercado”

A Novabase, a maior tecnológica do país, recorre à formação in-house para completar a formação académica dos seus dois mil colaboradores. "Há cada vez mais gente a vir buscar pessoas a Portugal, mais empresas a instalarem-se aqui e mais investimento das empresas em tecnologia", diz o gestor de talentos na área de Pessoas & Organização.

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Pedro Crespo, gestor de talentos na área de Pessoas & Organização da Novabase DR

É a maior empresa tecnológica portuguesa e tem vindo a afirmar-se como líder de mercado ao longo das últimas décadas. A Novabase trabalha para sectores como as telecomunicações, transportes, energia, serviços financeiros e departamentos governamentais. Conta com uma equipa de dois mil colaboradores de 17 nacionalidades diferentes. Sediada em Lisboa, tem escritórios em países como Angola, Emirados Árabes Unidos, Bélgica ou Turquia.

Cerca de 70% da equipa da Novabase é proveniente da chamada geração Y (ou millennials)  e vem de todo o país, saída de instituições como o Instituto Superior Técnico, o ISCTE, a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Porto, a Universidade do Minho ou o Instituto Politécnico de Bragança. A empresa vive, contudo, uma constante guerra pelo talento motivada pelo desencontro entre a formação universitária generalizada e as necessidades específicas da empresa. A solução está na formação in-house através da criação de programas como o Novabase Academy e o Novabase Campus, como explica o gestor de talentos na área de Pessoas & Organização da Novabase.

Como olha para a formação saída das universidades?

A universidade ajuda as pessoas a pensarem e a desenrascarem-se. Uma universidade de tecnologia ensina tecnologia, mas no mercado de trabalho é preciso fazer outras coisas como lidar com pessoas ou com o stress do tempo. Não é o mesmo que [ensinar] a indústria, e isso as universidades não têm que saber, porque não sabem se os alunos vão trabalhar sozinhos a construir robôs em casa, desenvolver aplicações com um colega ou trabalhar numa empresa de duas mil pessoas para clientes que são muito exigentes.

As gerações são diferentes e vêm com outra bagagem e fazem muito mais coisas ao mesmo tempo. O gap está a ficar cada vez mais curto, mas ainda assim, quando a pessoa entra num determinado sector, esse sector tem que ensinar-lhe como é que se trabalha nele. Há ali uma lavagem, uma indução para aquele sector que tem que ser feita sempre.

Em que áreas procura recrutar talentos recém-formados?

O ciclo de vida do que nós fazemos tem sempre três fases: análise, desenvolvimento e qualidade e teste. A do meio é muito focada em tecnologia, por isso quem a está a implementar tem que vir desta área, que é o grosso do nosso trabalho.

O target principal são cursos de tecnologia, mas não só. Temos muita gente de muitas áreas, até de Ciências Biomédicas ou Geologia. Não são a maioria nem são representativos, sendo que Ciências Biomédicas já começa a ser norma. Consideramos que são pessoas que têm uma base tecnológica suficiente para podermos agarrar nelas e, as que querem desenvolver, aprenderem mais, e as que não querem, ficarem nas suas pontas de análise, testes e qualidade.

Existe algum tipo de desfasamento entre os programas das universidades e o que as empresas procuram? Se sim, de que forma pode este ser colmatado?

Na faculdade, os alunos aprendem entre duas a cinco linguagens de programação e quando chegam cá podem trabalhar com outra. Se a universidade for boa, ensinou esta pessoa a aprender qualquer linguagem de programação muito facilmente. Não podemos ir buscar esta competência a um entusiasta caseiro que aprendeu sozinho em casa e que não foi ensinado a ver a tecnologia como uma coisa mais abrangente.

Quais são os critérios de selecção para potenciais colaboradores?

Depende da área em que vão trabalhar. Há linguagens de programação que são transversais a todos os sectores, mas também há umas que são mais usadas num sector que noutros. No sector financeiro usa-se muito uma linguagem chamada COBOL que os outros sectores já não usam. Se precisamos de alguém para uma determinada linguagem específica, vamos à procura dessa linguagem. Para além das competências técnicas, [procuramos] o saber estar, saber falar com alguém, encaixar bem o feedback, conseguir exprimir uma ideia.

A formação in-house é desde sempre a opção da Novabase? O que resolve e não resolve?

Criámos em 2006 a Novabase Campus, uma espécie de universidade nossa em que temos diferentes ofertas formativas. Quando uma pessoa integra um projecto, é desenhado um plano para definir o que é que ela sabe em relação àquilo que deveria saber e temos um conjunto de formações internas dadas por nós ou por formadores externos para preencher esse gap. Pode durar entre duas horas a uma semana.

Por outro lado, a Novabase Academy é uma indução relativamente à cultura e aos processos da empresa e ao que se espera da pessoa. Normalmente é feita para recém-licenciados e tem uma duração de duas semanas. É feita uma turma cujas pessoas são acompanhadas ao longo de três anos em que se juntam regularmente para levar mais uma injecção de determinados conteúdos que consideramos serem importantes.

Recorre a formação com professores portugueses e/ou estrangeiros?

Temos formadores próprios, outros de empresas parceiras nacionais e internacionais. A maioria são formadores portugueses ou nossos, porque achamos que temos a capacidade para o fazer. Recorremos a parceiros quando não dominamos o tema ou quando é um tema em que não queremos ser especialistas.

Quais são os custos e benefícios desta opção?

Na prática, a pergunta é: e se não a fizermos? Fala-se muito do retorno do investimento na formação, mas o não fazer a formação é muito pior. Nós queremos que as pessoas tenham um determinado tipo de comportamentos, então vamos dar-lhes a possibilidade de treinarem esses comportamentos. Ao mesmo tempo, damos aos seus líderes a possibilidade de dizerem “Esta pessoa está em défice, em vez de a abandonarmos, vamos garantir que é acompanhada para chegar ao nível que queremos que tenha para a experiência que tem”.

Tendo dificuldade em encontrar recursos, ainda assim tem gente para o que precisa ou está em défice? Em que áreas?

Nós temos vagas e contratamos portugueses e estrangeiros, obviamente muito mais portugueses que estrangeiros, porque a nossa base é aqui, temos aqui a maior parte das pessoas. Não há pessoas suficientes para as necessidades que o mercado tem, não é só na Novabase. A área da tecnologia não está a produzir as pessoas suficientes para dar vazão ao mercado todo.

O que temos feito para mudar um bocadinho isso foram as reconversões de que falávamos. Tivemos que ser imaginativos e criar os nossos próprios bootcamps para apoiar pessoas que queiram mudar de carreira, pessoas que se enganaram no curso, mas só perceberam agora ou pessoas da área de tecnologia que ainda não aprofundaram o conhecimento como queriam.

Qual é a tendência deste gap entre a formação e o mercado de trabalho?

Há cada vez mais gente a vir buscar pessoas a Portugal, mais empresas a instalarem-se aqui e mais investimento das empresas em tecnologia. Se há 20 anos um departamento de informática tinha duas pessoas, agora se calhar tem 20, porque todas as empresas desenvolvem aplicações e sistemas. O crescimento da oferta universitária não acompanha o crescimento das necessidades do mercado, mas isto é uma questão complexa. Não podemos passar a produzir a triplicar para depois não haver vagas para as pessoas.

Que impacto os gigantes do sector e o crescimento das empresas nacionais que operam na área podem ter na procura e oferta nas instituições de ensino superior?

Diria que a tendência há-de sempre ser para haver mais tecnologia em tudo o que fazemos. A revolução digital vai fazer com que as empresas sejam mais digitais e que tenham que ter pessoas com competências para trabalhar nisso. Nesse sentido, vão ter que ir buscar não só os que estão a ser formados, mas os que já estão a trabalhar para fazer uma pós-graduação. As faculdades vão acabar por perceber essa necessidade.

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