TdC recusa visto a contrato de obras com pai e irmã de vereadora

Contrato celebrado pela Câmara de Penamacor é nulo porque a empresa a quem foi entregue a empreitada tem como sócios o pai e um irmão de uma vereadora. Nem a renúncia da autarca ao cargo valeu para o Tribunal de Contas mudar de posição.

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RG Rui Gaudencio

O Tribunal de Contas (TdC) recusou, em Janeiro, o visto solicitado pela Câmara de Penamacor, distrito de Castelo Branco, a um contrato de 589 mil euros outorgado pelo município e por uma empresa de obras públicas na sequência de um concurso público. Motivo: a empresa tem como sócios o pai e um irmão de uma vereadora a tempo inteiro e a lei impede, desde 1995, a participação de sociedades detidas em mais de 10% por titulares de cargos políticos - entre os quais os presidentes de câmara e os vereadores a tempo inteiro -, ou pelos seus familiares mais próximos, como é o caso, em “contratos com o Estado e demais pessoas colectivas”.

Nos termos do Regime Jurídico das Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos (artº 8º, nº 2 da Lei 64/93) tais contratos são nulos, razão pela qual o tribunal recusou o visto - obrigatório para adjudicações de valor superior a 350.000 euros.

O contrato em questão data de Maio do ano passado e foi feito com a firma António José Cruchinho & Filhos. O seu  objecto consistia na requalificação do castelo de Penamacor. Chamado pelo TdC - na sequência de uma denúncia que chegou aos seus serviços - a pronunciar-se sobre o facto de aquela empresa ter sido ilegalmente admitida ao concurso, o presidente da Câmara, António Beites (PS), alegou que nem ele nem a vereadora Ilídia Cruchinho tinham consciência de tal ilegalidade.

Só quando foi notificado de um processo instaurado no ano passado pelo Ministério Público, no Tribunal Administrativo de Castelo Branco, acerca do mesmo assunto, “é que, quer o signatário quer a srª vereadora, tomaram consciência do teor do nº 2 do artº 8º da Lei 64/93”, respondeu António Beites. O autarca adiantou que a empresa da família da vereadora foi criada em 1982 e “sempre concorreu” aos concursos da Câmara local, antes e depois de Ilídia Cruchinho ter entrado em funções, em 2001.

Para justificar a sua convicção de que não havia qualquer ilicitude naquela adjudicação, António Beites realçou que o próprio TdC visou em 2009, sem fazer qualquer reparo, um outro contrato entre a mesma empresa e o município. Além disso, garantiu que a vereadora “sempre se declarou impedida nas deliberações camarárias em que fossem tratados assuntos relativos à referida empresa”, como a lei manda.

Acrescentando que Ilídia Cruchinho entendeu renunciar ao seu cargo no final de Novembro para ultrapassar este problema, o presidente da autarquia pediu ao tribunal que, dadas as circunstâncias, concedesse o necessário visto ao contrato.

Os juízes entenderam, todavia, que nem o facto de a vereadora não participar nas decisões camarárias relativas à empresa, nem a sua demissão, ocorrida posteriormente à adjudicação da empreitada, resolviam a questão da ilegalidade do contrato. O acórdão considera mesmo “irrelevante” a renúncia da vereadora, “já que em caso algum esse concurso poderia ter tido a participação da sociedade” de que o pai e o irmão são sócios.

Por esse motivo, o Tdc recusou o visto solicitado, justificando que daquela participação decorre a “nulidade” do contrato, a qual constitui, “indiscutivelmente”, fundamento de recusa do visto.

A sociedade António José Cruchinho & filhos tem a Câmara de Penamacor como o seu principal, e quase único, cliente no sector púbico. Em 24 contratos firmados desde 2008 com entidades sujeitas ao Código dos Contratos Públicos, 22 foram celebrados com o município local.

Menos de um mês depois de ter renunciado ao mandato de vereadora, Ilídia Cruchinho assumiu, em meados de Dezembro, as funções de chefe de gabinete do presidente da Câmara local.

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