Passado e presente da música electroacústica no Festival Música Viva

Os 90 anos do nascimento de Stockhausen e os 70 anos da invenção da “música concreta” são as linhas orientadoras da edição de 2018, que começa este sábado em Lisboa.

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Karlheinz Stockhausen é a figura central desta edição, cujo programa assinala os 90 anos do nascimento desta personalidade-chave da vanguarda musical DR

O Festival Música Viva 2018 inicia-se esta noite, às 21h, com um concerto que o Drumming Grupo de Percussão dedicará inteiramente a Karlheinz Stockhausen (1928-2007), figura central na edição deste ano, cujo programa assinala os 90 anos do nascimento desta personalidade-chave da vanguarda musical. Os 70 anos da invenção da música concreta por Pierre Schaeffer (1910-1995), que a partir de 1948 começou a criar obras neste domínio a partir de sons e ruídos pré-gravados, serão o outro grande tema do festival, que irá decorrer até 26 de Maio no O’culto da Ajuda. Situado na Travessa das Zebras, em Belém, este espaço inaugurado em 2014 por Paula Azguime e Miguel Azguime, fundadores da associação cultural Miso Music Portugal e responsáveis pela organização e pela direcção artística do festival, tem constituído um lugar privilegiado para a pesquisa, a experimentação, a comunicação e a partilha de criações que fomentam relações entre música, o espaço e a tecnologia, em diálogo com várias artes.

Debaixo do título “O insustentável do Ser!”, a edição 2018 do Música Viva propõe um amplo panorama sobre a música electroacústica dos últimos 70 anos, celebrando assim uma das maiores revoluções técnicas e estéticas de todos os tempos. Obras de referência deste universo musical e da sua história serão apresentadas em conjunto com novas peças, percorrendo várias tendências da criação musical em Portugal e no estrangeiro. Conforme se lê no texto de apresentação, o título escolhido é uma tomada de posição a favor da afirmação da criação musical do nosso tempo, “um tempo no qual a arte teima em ser livre e em resistir contra as lógicas hegemónicas do número e da quantificação, superlativando a qualificação da inteligência e do sensível do humano… o Insustentável do Ser!”.

O concerto de abertura (este sábado, dia 19, às 21h) pelo Drumming Grupo de Percussão, com Patricia Martins, Pedro ‘Peixe’ Cardoso e Miquel Bernat, irá percorrer várias obras de Stockhausen, desde o emblemático Kontakte (1960) até Vibra-Elufa (2003), passando por criações como Leo e Scorpion do ciclo Tierkreis; Natürliche Dauern nº6; e Für Kommende Zeiten, 17 Texte fur Intuitive Musik. Domingo, dia 20, terá lugar uma apresentação da classe de Oficina de Composição III da Academia de Amadores de Música, com concepção e direcção do compositor Pedro M. Rocha, seguindo-se um concerto da Orquestra de Altifalantes com obras de Pierre Schaeffer (Trois Études de Bruit), Jaime Reis (Fluxus, pas trop haut dans le ciel), Pedro M. Rocha (To a world free from religions, com vídeo de André Sier) e Jonathan Harvey (Mortuos Plango, Vivos Voco).

A apresentação do trabalho realizado por jovens compositores ainda em formação tem um lugar destacado nesta edição do Música Viva, contemplando ainda a classe de composição da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, com coordenação de Dimitrios Andrikopolous (dia 21); o Laboratório de Música Mista José Luís Ferreira (nomeado em homenagem a este compositor recentemente falecido) da Escola Superior de Música de Lisboa, com coordenação de Carlos Caires (dia 22); e o Ensemble de Música Electrónica da ESART, formação criada em 2007 e constituída por alunos e professores do curso de Música Electrónica e Produção Musical da Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco (dia 23).

Os concertos da Orquestra de Altifalantes, realizados diariamente, darão a ouvir obras de referência da história da música electroacústica e composições recentes, abrangendo compositores como Xenakis, Varèse, Risset, Chowning, João Pedro Oliveira, Miguel Azguime, António Sousa Dias e José Luís Ferreira, entre muitos outros. O concerto do dia 25 (22h30) será inteiramente dedicado ao compositor argentino Horacio Vaggione, que estará em Lisboa e dará uma conferência na véspera, intitulada Composing With Networks of Digital Objects C. Destaca-se também no dia 26 o concerto monográfico de Igor C. Silva (n. 1989), jovem compositor, guitarrista e performer de música electrónica detentor de diversos prémios, pelo Trash Panda Colectiv, e o programa dedicado ao compositor britânico Chris Bevan (dia 24), premiado no Concurso de Composição Música Viva de 2017. O vencedor do concurso de 2018 será anunciado no dia 25.

Salienta-se ainda a conferência-leitura de António de Sousa Dias em torno do Lexikon der Elektronischen Musik ("Dicionário da Música Electrónica") de Herbert Eimert (dia 25, às 17h), e o concerto de encerramento, que presta homenagem a Bernard Parmegiani, outra figura central no desenvolvimento da música concreta e da música electrónica, e membro do icónico Groupe de Recherches Musicales, e novamente a Stockhausen. Do primeiro será possível ouvir De Natura Sonorum I e do segundo Gesang der Jünglinge, obra fundamental que partiu tanto de fontes "concretas" — a gravação de um fragmento do texto apócrifo do terceiro Livro de Daniel da Bíblia (Cântico dos Adolescentes na Fornalha Ardente) cantado por um menino cantor da Catedral de Colónia — como de materiais sonoros produzidos electronicamente.

De modo a proporcionar “uma imersão e uma fruição mais do que auditiva” dos concertos com a Orquestra de Altifalantes, este ano a organização do Festival Música Viva propõe ao público a possibilidade de se recostar ou deitar nos estrados — mas também haverá cadeiras para quem preferir a mais convencional posição sentada. 

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