Crise pode significar queda de “50% das receitas” do Sporting

Daniel Sá, marketeer desportivo e director executivo do IPAM, deixa o aviso: no meio de uma crise mal gerida pelo clube, as consequências podem ser catastróficas do ponto de vista económico. E as consequências para a imagem do Sporting são de resolução difícil.

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LUSA/ANTONIO COTRIM

Envolto num escândalo de corrupção desportiva (em duas modalidades, futebol e andebol), com um registo de agressões a futebolistas e membros da equipa técnica por um grupo de adeptos dentro da sua própria Academia e com um presidente que se recusa a arredar pé, apesar da catadupa de demissões nos órgãos sociais do clube, o futuro do Sporting parece cada vez mais incerto. A crise adensa-se e, para Daniel Sá, marketeer desportivo e director-executivo do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM), só se resolverá quando o Sporting delimitar uma estratégia desportiva clara a ser aplicada a médio-longo prazo. O especialista identifica pelo menos dois impactos negativos das notícias dos últimos dias: o risco de perder 50% das receitas “de um ano para o outro” pela possibilidade de rescisões dos jogadores e a hipótese de afastar adeptos e patrocinadores

Daniel Sá traça assim o futuro próximo do Sporting: em primeiro lugar, esta crise pode representar um impacto negativo muito grande em termos económicos, com o risco de perder “50% das receitas de um ano para o outro” provenientes das vendas dos jogadores; em segundo lugar, o clube arrisca-se a alienar adeptos e a afastar patrocinadores. Mas vamos por partes.

No ano de 2017, o Sporting registou 170 milhões de euros em receitas, sendo que 90 milhões foram gerados pela venda de jogadores. Com o incidente da última terça-feira, dia em que um grupo de 50 indivíduos conseguiu entrar na Academia de Alcochete e agredir vários jogadores (como Rui Patrício, Bas Dost, Acuña ou William de Carvalho) e membros da equipa técnica (como Jorge Jesus), vários futebolistas deixaram em aberto a hipótese de virem a rescindir contrato com o clube. De acordo com o especialista em Direito Laboral Luís Cassiano Neves, contactado pelo PÚBLICO, e apesar da inexistência de jurisprudência, este episódio de violência pode constituir razão suficiente para uma rescisão de contrato por justa causa da parte do plantel: “Trata-se de uma situação grave, existindo fundamento para que os jogadores temam pela sua segurança física e pela falta de condições para desenvolverem a sua prática profissional”. 

Para Daniel Sá, essa possibilidade é real e constituiria uma grande perda económica para o Sporting: “Conhecendo o contexto de possíveis rescisões e perda negocial, e tendo em conta que estes negócios se concretizam nas próximas semanas, percebemos que os 90 milhões do ano anterior se podem reduzir bastante ou inclusivamente desaparecer de um ano para o outro”.

A segunda fatia das receitas vem dos adeptos e patrocinadores. São as receitas comerciais que, no ano passado, renderam ao Sporting 80 milhões de euros, relacionadas com a venda de bilhetes, merchandising, patrocínios, acordos comerciais, direitos de televisão, entre outros. “São os adeptos e os patrocinadores que pagam. E nesta fase, tanto os adeptos se podem afastar e diminuir as suas compras ao Sporting como os patrocinadores se podem vir a afastar, pela realidade que estamos a viver”, avalia o marketeer. Dois patrocinadores já anunciaram a saída - e um deles era o patrocinador principal do judo. 

“Neste momento o impacto ainda não se consegue medir, até porque o Sporting, apesar de tudo, esteve praticamente até ao fim do campeonato a lutar pelo título”, avalia Daniel Sá. Os adeptos mantiveram-se fiéis ao clube, apesar do caos interno pela “fé numa vitória”. “O que eu acho é que a partir da próxima época se vai sentir – e a época começa em breve”, lembra o especialista.

“Não é impossível que a direcção de Bruno de Carvalho se mantenha, mas é muito difícil”

Sobre a crise na direcção do Sporting, Daniel Sá começa por advertir que não se trata de uma coisa de dias, mas antes uma situação que já se arrasta há sensivelmente quatro meses: “Desde a famosa Assembleia Geral, à publicação no Facebook no fim da partida contra o Atlético de Madrid [onde Bruno de Carvalho criticou vários jogadores]. Do meu ponto de vista são quatro meses de uma crise institucional muito grave no Sporting”.

Não atribuindo toda a culpa à figura de Bruno de Carvalho – apesar de não ter pudor em dizer que uma “grande dose de responsabilidade está na direcção do Sporting e especificamente no seu presidente” –, Daniel Sá acha “extraordinariamente difícil que esta direcção consiga reverter esta crise”. “Se será com outras pessoas, o futuro o dirá. Mas mais do que as pessoas interessa o projecto que podem apresentar aos sócios do Sporting.”

E neste momento, para o marketeer, o projecto deve ser consistente em termos desportivos, porque, até agora, as últimas direcções têm falhado num objectivo primordial: o de conquistar campeonatos. “Nos últimos 30 e poucos anos, o objectivo de ser um 'grande' do futebol português ainda ninguém o atingiu. E não foi só este presidente. Em 35 anos, o Sporting conquistou apenas dois campeonatos”, salienta o director do IPAM. E apesar da aposta noutras modalidades, nos atletas olímpicos e na acreditação da Academia de Alcochete, o Sporting “deve clarificar a estratégia da marca nos próximos anos”.

A necessidade de mudança é imperiosa, no entender de Daniel Sá. “Neste momento, a capacidade do Sporting atrair ou reter futebolistas, treinadores, adeptos ou patrocinadores é muito baixa”, afirma, e isso é problemático. “Se não houver uma mudança, com o que tem acontecido nestes últimos meses, o Sporting corre o risco de descer um degrau do que é a competitividade futebolística em Portugal”, perdendo patrocinadores, por exemplo. “Tenho a certeza absoluta que todos os [patrocinadores] que não se retiraram estão a aguardar”, diz o marketeer.

"Não é só o Sporting, é o futebol português"

Para Daniel Sá, o caso de corrupção é danoso não só para o Sporting mas para todo o futebol português. “O desporto vive da incerteza de não sabermos quem vai ganhar. Achamos que quem vai ganhar é o melhor. E se isso é colocado em causa o consumidor desilude-se. Se o consumidor se desilude, perde atenção, os patrocinadores perdem interesse e portanto enquanto o futebol português não se libertar deste tipo de suspeita [de corrupção] permanente vai ser muito complicado.”

No entender do marketeer “esta época foi trágica” nesse sentido porque as suspeições se estenderam a vários clubes, citando, como exemplo, os casos que envolvem o Benfica, dos e-mails ao processo conhecido como “E-toupeira”. “É péssimo para o produto futebol”, avalia Daniel Sá.

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