Hospital S. José sem radiologistas à noite no apoio à urgência

Medida entra em vigor a partir de 1 de Junho, mas o recurso à telemedicina já é usado desde o final de Abril em neurorradiologia. Hospital garante que não há prejuízo para os doentes.

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Mário Lopes Pereira

A partir de 1 de Junho o hospital de S. José, em Lisboa, deixa de ter radiologistas em presença à noite no apoio ao serviço de urgência, passando os relatórios a ser feitos por empresas entre as 24h e as 8h da manhã. A administração garante que não há prejuízo para os utentes nem perda de qualidade face aos relatórios de exames produzidos pelos médicos que pertencem àquela unidade. A mesma solução já está a ser usada em neurorradiologia.

Os médicos foram informados na última sexta-feira de que a partir do próximo mês o apoio da radiologia ao serviço de urgência nocturno do hospital S. José passará em parte a ser efectuado com recurso à telemedicina. Ou seja, das 8h da manhã até às 24 horas são os radiologistas daquela unidade, que pertence ao Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC), a fazer os relatórios dos exames, enquanto das 24h até às 8h do dia seguinte o serviço é prestado por uma empresa.

Numa nota interna a que o PÚBLICO teve acesso, o director da urgência diz que se trata “de uma má notícia para o CHLC, cuja UGP [urgência geral e polivalente] é o último recurso para uma parte significativa de doentes que a ela recorrem”.

“Os exames são executados por técnicos e avaliados via telemedicina por um médico quem sabe se a centenas de quilómetros. Não está um médico radiologista presente a supervisionar a execução dos exames. Não está um médico radiologista a avaliar clinicamente o doente. E com este procedimento estamos a pôr em risco os doentes e a potenciar a possibilidade de erro médico”, afirma o Sindicato independente dos Médicos (SIM), numa nota colocada no site, em que lembra que S. José é uma unidade “de referência do Serviço Nacional de Saúde” (SNS).

Esta solução está a ser igualmente usada na neurorradiologia “durante as noites de fim-de-semana e feriados”, a começar logo nas sextas-feiras a partir das 20h adianta Bruno Maia, delegado sindical da Federação Nacional dos Médicos. “Não há neurorradiologistas para fazer as escalas e por isso entre as 20h e as 8h os relatórios dos exames são feitos fora.”

O médico refere que este recurso começou a ser utilizado na última semana de Abril. “O relatório tem de ser feito num determinado tempo e temos um número para ligar ao neurorradiologista que está à distância a fazer o relatório, mas não é a mesma coisa. Não há envolvimento suficiente para se discutir um caso. O que existe neste momento à noite é alguém que está longe de nós a fazer um relatório através de uma plataforma”, salienta Bruno Maia, lembrando que S. José “é um hospital central que recebe dos casos mais complicados”.

Sem prejuízo para os doentes, diz hospital

Questionado sobre o recurso à telerradiologia, a administração do centro hospitalar afirma que é comum nos hospitais nacionais e internacionais e que se trata “de uma boa prática de gestão de recursos para a tarefa de produção de relatórios de imagiologia”. “No entanto, para o CHLC, que tem também responsabilidades ao nível académico, esta solução terá de ser limitada e transitória, o que acontece neste caso, na medida em que a telerradiologia só ocorre das 0h às 8h, período em que o número de exames é muito reduzido”, afirma o hospital.

Sobre eventuais impactos que esta opção poderá ter para os doentes, a administração salienta que “além do cumprimento rigoroso de prazos, os profissionais que executam no exterior os relatórios de exames ficam disponíveis, por contrato, a prestar todos os esclarecimentos adicionais que forem considerados necessários pelos colegas prescritores”. “Não há, portanto, prejuízo para os utentes nem quaisquer perdas de tempo ou qualidade face aos relatórios de exames produzidos pelos médicos residentes”, garante o hospital.

Norte sem radiologistas

O presidente do colégio de radiologia da Ordem dos Médicos garante que se as normas da Direcção-geral da Saúde, publicadas em 2015 e que têm por base as recomendações do colégio da especialidade, forem seguidas “a qualidade do serviço não diminui”. O problema, afirma Hugo Marques, “é que a norma nunca foi auditada”. O importante, salienta o médico, é que além da qualidade da imagem fique igualmente garantido o acesso a um radiologia para a realização de ecografias, que de outra maneira não podem ser feitas.

“A indicação para ecografia num contexto de urgência é muito restrita”, afirma o presidente do colégio, e no caso de S. José “essa situação será acautelada por optimização de utilização dos recursos disponíveis no centro hospitalar”.

O recurso à telerradiologia é cada vez mais comum. “O problema está na falta de radiologistas no SNS. Cada vez mais há saída de especialistas para os privados, sobretudo os mais novos e os mais velhos, a partir de determinada idade não fazem urgência. Acima de Coimbra não há radiologistas a partir das 24h00. Houve um desinvestimento no SNS e a incapacidade de reter as pessoas que formamos é total”, afirma Hugo Marques, que aponta três causas principais: o vencimento muito superior no privado, a qualidade das condições de trabalho onde o acesso á tecnologia é muito diferente, sendo que até a diferenciação de casos que já não é um exclusivo do SNS.

“A capacidade de reter radiologistas implica uma abordagem global do problema, como por exemplo a requalificação tecnológica dos serviços, associada a valorização do papel do radiologista no contexto hospitalar, bem como  o recurso a produção adicional que permitiria aos médicos realizar exames fora do horário normal e receber um adicional por isso”, diz Hugo Marques, que considera que com estas mudanças os médicos radiologistas mais facilmente se manteriam a trabalhar no SNS.

O bastonário dos médicos também destaca a falta de radiologista no norte do país. “São 3,5 milhões de habitantes que não têm radiologista de apoio à urgência a partir da meia-noite. As TAC [Tomografia Computorizada] são feitas por telerradiologia. Isto tem inconvenientes. As TAC são exames com radiação que podem ter consequências se usadas muitas vezes. Digo isto porque se, porventura, o doente poderia uma ecografia se houvesse um radiologista presente e o exame foi transformado numa TAC é um duplo efeito negativo”, afirma.

Para Miguel Guimarães a falta de radiologistas nos hospitais e o recurso à telerradiologia “é uma vergonha nacional que nem o ministério da Saúde nem o das Finanças resolveu”. “Um médio radiologia é tão importante na urgência como qualquer outro. Usar a telerradiologia não é a mesma coisa que ter um profissional em presença”, diz, lembrando que há situações em que a ecografia é indispensável como no caso da torção testicular em que a TAC não permite fazer o diagnóstico.

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