As cerejas burras

Hoje comemos as primeiras cerejas do ano. Estavam horríveis: moles e cheias de água, só com um resquício de cerejura. Um quilo custou 20 euros.

Hoje comemos as primeiras cerejas do ano. Estavam horríveis: moles e cheias de água, só com um resquício de cerejura. Um quilo custou 20 euros. Para comprá-las à beira de uma estrada ia estampando o carro.

Não há sensação como arriscar a vida para pagar um balúrdio por uma coisa que não comeria nem que me pagassem. Acrescente-se a consciência de uma ganância profunda mais a estupidez de contrariar o que me têm dito os lavradores e completa-se o meu retrato.

Ainda há a esperança patética, quando se começa a comer, que seja só a primeira cereja que não presta. Ou só as primeiras duas, três, quatro, cinco... e juro que volto lá para espetar-lhe com elas na tromba.

Em Maio já se pode pescar sardinha. Houve mais um mês de defeso porque a sardinha está pequena. Tenho de ver se aproveito a lição-castigo das cerejas para não ceder à prova prematura da sardinha. Não sabia se era por curiosidade ou por saudade. Agora sei que não era nem uma coisa nem outra.

Não era curiosidade porque eu já sabia como sabiam: magras, anchovadas e frustrantes. E não era saudade porque eu tinha saudades era das sardinhas gordas de Agosto e Setembro porque nunca ninguém na vida, em parte nenhuma do mundo, teve saudades das sardinhas de Maio.

Era ganância. A ganância estraga tudo. As primeiras cerejas e sardinhas do ano são sagradas. Temos de aprender a esperar por elas. Há uma maneira subtil que têm para nos avisar quando é altura de comprá-las: é quando estão escandalosamente baratas, tal é a fartura. Duh!

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