Ao todo, não são mais do que 20 metros quadrados, repartidos por um ípsilon de divisões: quarto, sala e área de duche, com um compartimento sanitário ao centro e um alpendre que se expande lá fora à largura do tecto. O mobiliário, em tons crus, resume-se ao essencial: uma estante e um colchão com roupa de cama sobre o soalho de madeira, um banco coberto de rolos de toalhas, uma cadeira balouçante, uma mesa baixa com almofadões e um carrinho com loiça e mercearia básica para o pequeno-almoço ou um chá tardio. Sente-se os limites do espaço como se estivéssemos numa tenda familiar, numa caravana ou num cubículo de montanha, com uma excepção. Aqui, a paisagem entra-nos paredes dentro num horizonte de montanhas áridas a 360º. Apenas a meteorologia fica para lá desta redoma transparente.
Quando o pico do Verão torrar as encostas circundantes até aos 45ºC, cá dentro não deverão sentir-se mais do que 28ºC. E no Inverno, quando o branco que ainda tinge o cume da serra Nevada, lá ao fundo, descer ao deserto e fizer a temperatura baixar a um mínimo de dez graus negativos, o interior da casa manter-se-á nos 18ºC. Pelo menos é o que quer provar (e demonstrar) a equipa responsável pelo projecto A Casa do Deserto, liderada pela empresa Guardian Glass, fabricante dos vidros que não só resguardam o interior como sustentam toda a estrutura vertical. Nas paredes, apenas os caixilhos das portas de correr são de metal, para que seja possível movê-las e trancá-las. Os painéis fotovoltaicos garantem auto-suficiência energética e, por baixo, existe um sistema de armazenamento e filtragem de água.
“Queríamos um lugar que enfrentasse condições meteorológicas extremas ao longo do ano e na Península Ibérica existem apenas três ou quatro sítios com essas condições”, indicava Miguel Sanchéz Quintero, responsável da empresa para Portugal e Espanha, durante a cerimónia de inauguração, a 8 de Maio. Uma área de planalto no deserto dos Coloraos de Gorafe, a pouco mais de 80 quilómetros de Granada, foi o local escolhido. Durante séculos, o povo desta região árida da Andaluzia enfrentou o clima escavando as habitações nas encostas cor de barro. Só em Gorafe existem cerca de 500 exemplares destas “casas-gruta”, chegando às 2000 se contabilizarmos toda a comarca de Guadix, uma das regiões europeias com a maior concentração de casas com este tipo de arquitectura, denominada Troglodita. “Queríamos alcançar os mesmos objectivos, fazendo exactamente o oposto”, compara o responsável.
Se a maioria das casas-gruta se esconde no interior dos cerros, a Casa do Deserto expõe-se aos elementos no alto do planalto. Se num caso há jogos de sombras e paredes grossas, no outro tudo é transparência e reflexos da paisagem nas superfícies espelhadas. No caminho entre a povoação de Gorafe, no fundo do vale, onde vivem cerca de 400 habitantes, e a casa envidraçada, no topo do cerro, cruzamos oliveiras encavalitadas nas encostas, campos de cereais e filas de amendoeiras já com os frutos gordos entre as folhagens. Aqui e ali, uma quinta dá abrigo ao cultivo dos terrenos. Chegados ao destino, mal se sente presença humana. Para onde quer que se olhe, mergulhamos num mar de desfiladeiros, barrancos dourados, montanhas e um espelho de água no horizonte. O silêncio absoluto da natureza.
O rebanho de Ricardo pasta no fundo do vale, mas daqui não vemos as cerca de 200 cabras e ovelhas. O pastor deixou-as por ali e subiu a ver a festa. Ao longo do último ano, foi assistindo à construção do edifício, metendo conversa “com quem sabe disto”. Espanta-o o contraste com a sua “cueva” em Gorafe, nunca pensou que uma casa assim pudesse sobreviver aqui. Mas está contente com o projecto. “Vai trazer muita gente”, acredita o pastor, de chapéu de palha e cajado na mão. A partir de agora, a casa-laboratório transforma-se em alojamento turístico, recebendo hóspedes até ao final do ano. O edifício será depois completamente desmontado e o planalto devolvido incólume à natureza.
A Fugas viajou a convite da Guardian Glass