Marcelo encerra debates sobre impunidade nos gastos públicos

Tribunal de Contas quer que a legislação se adapte às práticas de gestão pública do séc. XXI, em vez de remeter para leis que, nalguns casos, são de 1930.

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pcm patricia martins

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, encerra na próxima quarta-feira um ciclo de debates promovidos pelo Tribunal de Contas destinado a encontrar a melhor forma de adaptar as leis que regem os gastos públicos às actuais práticas de gestão. Objectivo: acabar com a impunidade.

As estatísticas dos últimos anos dão conta da impotência dos juízes deste tribunal para punir comportamentos de autarcas e governantes que, apesar de não constituírem crime, são lesivos do erário público.

Entre 2013 e 2017, a maior parte dos casos detectados pelo Tribunal de Contas que implicavam responsabilização financeira foram arquivados antes de chegarem a julgamento e só 10% dos que foram julgados, num total de apenas cinco processos, resultaram em condenação total e parcial – fosse em multa, fosse em reposição do dinheiro indevidamente gasto por parte de quem autorizou a despesa.

Um cenário que radica no facto de os mecanismos legais de controlo destes fenómenos não terem acompanhado nem as novas formas de realização e contratualização das receitas e despesas públicas, nem os novos formatos das entidades envolvidas nestas transacções, assinalou-se logo no primeiro destes debates, que desde Outubro têm vindo a reunir académicos, juízes e outros especialistas.

Em muitos casos, bastou aos gestores públicos alegarem não conhecerem bem a lei para os seus actos ilícitos terem sido desculpados. “Todas estas questões exigem um debate profundo, nomeadamente se as capacidades esperadas/exigidas do agente deste tipo de infracções devem aferir-se pelas do ‘homem médio’ ou se, em termos de responsabilidade financeira, não é de esperar/exigir mais, considerando as suas especiais responsabilidades, em termos de gestão da ‘coisa pública’", pode ler-se nas conclusões dos quatro debates realizados até hoje, e nos quais estiveram presentes figuras como o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Henriques Gaspar. 

As dificuldades que se colocam aos juízes em seguir o rasto do dinheiro são inúmeras. Desde logo, porque nada obriga uma Instituição Particular de Solidariedade Social à qual o Estado entrega dinheiro para que desenvolva uma tarefa que lhe cabia a si – acolhimento de doentes em cuidados continuados, por exemplo – a adquirir serviços a terceiros apenas mediante concurso.

A reflexão lançada pelo Tribunal de Contas analisou os sistemas vigentes em Itália, Espanha, França e no Brasil para concluir pela necessidade de responsabilizar todos os agentes que gerem dinheiros ou bens públicos, independentemente de serem políticos, dirigentes da administração pública ou gestores privados.

A alteração ao Orçamento do Estado para 2017 para equiparar os autarcas aos ministros para efeitos de responsabilidade financeira também mereceu críticas: “Assentou numa norma e em conceitos ultrapassados que se encontram desenquadrados do regime financeiro sancionatório no seu todo, o que acarreta não só dificuldades de interpretação, mas também distorções na aplicação do sistema de responsabilização financeira”. Alguns desses conceitos datam, de resto, dos anos 30 do século passado.

Já esta semana deu entrada no Parlamento uma proposta de alteração à lei das finanças locais que promete mais dores de cabeça aos juízes do Tribunal de Contas, ao remeter, uma vez mais, para uma lei com 85 anos de existência no que diz respeito ao apuramento das responsabilidades financeiras dos autarcas. Apesar de ter o objectivo de esclarecer questões deixadas em aberto pela alteração ao Orçamento do Estado, não é certo que o venha a conseguir fazer.

No encerramento do ciclo de debates da próxima quarta-feira, que se realizará na Fundação Champalimaud, em Lisboa, participarão ainda o secretário de Estado do Orçamento, a procuradora-geral da República e a Provedora de Justiça.

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