“Com amigos assim, quem precisa de inimigos?”, diz Tusk sobre Trump

Presidente do Conselho Europeu esqueceu a delicadeza diplomática. “Temos de estar preparados para todos os cenários em que vamos ter de actuar sozinhos”, disse, lamentando o fim o fim da ilusão da amizade norte-americana.

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Donald Tusk com Alexis Tsipras em Sofia, na primeira cimeira dos Balcãs dos últimos 15 anos VASSIL DONEV/EPA

Mais do que uma interrogação, foi uma constatação do estado actual da relação transatlântica, no rescaldo das mais recentes decisões do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Com amigos destes, quem precisa de inimigos?”, perguntou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que esta quarta-feira, em Sófia, na Bulgária, pôs de lado as habituais cautelas e paninhos quentes dos líderes europeus e desferiu algumas das críticas mais contundentes ao comportamento do Presidente norte-americano já ouvidas deste lado do Atlântico.

“Além dos tradicionais desafios políticos tais como a ascensão da China ou a postura agressiva da Rússia, assistimos hoje a um novo fenómeno: a assertividade caprichosa da Administração norte-americana”, atirou Donald Tusk, poucas horas antes de se sentar com os 28 chefes de Estado e governo da UE precisamente para discutir a incompreensão e instabilidade provocadas pelas novas políticas de Donald Trump — e que põem em causa as relações comerciais entre os dois blocos, mas também a aliança diplomática e política do Ocidente.

Na ementa do jantar de trabalho informal entre os líderes que se juntaram em Sófia para participar numa cimeira entre a União Europeia e os Balcãs Ocidentais, esta quinta-feira, estava uma avaliação colectiva das consequências da retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear internacional com o Irão, anunciada por Donald Trump há uma semana, e ainda dos possíveis efeitos da revisão das taxas para a exportação de produtos de aço e alumínio europeus prometida pela Administração norte-americana.

Para Tusk, não restam quaisquer dúvidas sobre o impacto nefasto destas medidas — que vai mais além das duas matérias concretas e atinge o âmago da relação transatlântica. Confrontada com este movo contexto, a Europa só tem duas alternativas, considerou: “Ou se assume como um dos principais players, ou torna-se um peão”, observou. Por isso, o presidente do Conselho disse que, em certo sentido, a UE até poderia estar grata pelo comportamento de Trump, “porque graças a ele perdermos definitivamente as ilusões”: na sua opinião, tornou-se óbvio que a Europa já não encontrará uma “mão amiga” se pedir ajuda aos Estados Unidos.

A chanceler alemã, Angela Merkel, já tinha deixado essa ideia no ar ao comentar que, com o abandono do acordo nuclear com o Irão, os EUA tinham deixado de ser um aliado de confiança para a União Europeia. Tusk foi mais longe: “Temos de estar preparados para todos os cenários em que vamos ter de actuar sozinhos. Não existe nenhuma razão objectiva para a Europa ter qualquer tipo de complexos sobre quem quer que seja. Temos o direito e a obrigação de levantar a cabeça bem alto, tanto com os nossos inimigos como com os nossos amigos”, vincou.

À chegada a Sófia, Tusk pediu aos líderes uma manifestação de “unidade económica, política e militar”, e ao que tudo indica os 28 estavam preparados para demonstrar a sua determinação em manter a estratégia desenhada em Bruxelas tanto para as negociações comerciais em curso com os Estados Unidos, como para a preservação do acordo nuclear com o Irão.

Costa decidido

Sem querer antecipar os resultados do jantar de trabalho, o primeiro-ministro, António Costa, disse confiar que a UE sairia com uma “posição forte, clara e inequívoca” e que “ajude a consolidar” o trabalho que está a ser desenvolvido pela Comissão Europeia, em nome do bloco, em resposta aos desafios colocados pela acção de Trump. “O mundo cada vez mais precisa de uma Europa forte, e que seja uma voz alternativa e um factor de estabilidade, paz, progresso e solidariedade neste mundo onde se vão multiplicando os factores de crise e de tensão - e onde os EUA não têm dado um bom contributo”, considerou o primeiro-ministro.

Durante o jantar, os líderes da Alemanha, França e Reino Unido fariam um ponto da situação das suas conversações com os restantes subscritores do acordo nuclear com o Irão — a China e a Rússia mas principalmente o regime de Teerão —, enquanto que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, avançaria as ideias discutidas durante a manhã pelo colégio de comissários para “proteger os interesses económicos europeus” perante a perspectiva de novas sanções punitivas dos Estados Unidos.

Compromisso com Balcãs

Ainda não será na cimeira entre a União Europeia e os Balcãs Ocidentais que decorre esta quinta-feira em Sófia, que os seis países da região que são candidatos à adesão ao bloco verão consagradas, em definitivo, as suas pretensões. Na agenda oficial do encontro, e na ordem de trabalhos, não surge mencionada uma única vez a palavra alargamento, embora esse seja o rumo apontado na estratégia para os Balcãs adoptada pela Comissão Europeia em Fevereiro — e que será reafirmada numa declaração final subscrita por todos os Estados membros, incluindo a Espanha, que será representada não pelo presidente do Governo mas por um diplomata.

Bruxelas vê a realização deste encontro — 15 anos depois da última cimeira europeia com os líderes dos Balcãs, em Salónica — como um “importante sinal político” e uma prova do seu firme compromisso com a estabilidade e o desenvolvimento da região. “É a UE que representa esperança para estas populações. Somos o único parceiro de confiança, que está genuinamente interessado em promover um futuro próspero e não em jogar xadrez geopolítico”, declarou Donald Tusk, numa referência à pressão que está a ser exercida pela Rússia para expandir a sua influência pela região.

Auto-estradas e aeroportos

No caso, a Comissão espera que ao colocar o foco na “conectividade” — “a construção de autoestradas ou aeroportos é relevante, e tem um impacto positivo porque aproxima as pessoas”, explicava uma fonte europeia — esteja a enviar um “sinal positivo para a região”, onde a lentidão do processo negocial com Bruxelas começa a causar desgaste. A mesma fonte notava que nos Balcãs ainda existe uma tendência para insistir que é Bruxelas que tem de “carregar o fardo” nas negociações, e notava que “é do interesse dos lideres da região dar mais sinais positivos” para acelerar o processo político.

A UE congratulou-se com alguns desses sinais recentes, caso do acordo para a demarcação da fronteira entre a Macedónia e o Kosovo, ou as negociações em curso entre Atenas e Skopje para resolução da questão do nome da antiga república jugoslava da Macedónia. Mas ao mesmo tempo, acrescentou a mesma fonte, “ainda permanecem tensões, particularmente entre as comunidades da Bósnia, e questões por resolver”, caso do reconhecimento do Kosovo — pelos cinco Estados membros europeus que não o fizeram e, especialmente, pela Sérvia.

 

 

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